1 Outubro 2022      11:43

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A Semana Cultural de Alcáçovas

“A cultura é o modo avançado de se estar no Mundo, ou seja a capacidade de se dialogar com ele. “

Virgílio Ferreira

 

Discorridas duas semanas sobre o término da 24ª edição da Semana Cultural de Alcáçovas, dois anos após uma sentida ausência, parece oportuno encetar uma ponderação sobre a mesma e sobre as eventuais virtudes deste tipo de iniciativas numa freguesia de baixa densidade populacional.

Antes de mais reconhecer a quem de direito a justeza do mérito na criação deste evento, nos seus primórdios com um calendário bem mais ambicioso, sendo a Quinzena Cultural, organizada fundacionalmente pela associação local TERRAS DENTRO, mais tarde então sob a égide da Junta de Freguesia. Depois de Quinzena e por via dos constrangimentos operacionais, logísticos, humanos e financeiros foi-se moldando para ser uma Semana, ainda que mais intensa.

De facto depois desses modelos descritos e no período pré-pandemia houve uma certa tendência para uma nova redução deste certame, com menos expositores, menos participação e menos associações presentes nos espaços de restauração.

Urgia neste tão esperado regresso dar a “volta ao texto” e trazer de novo a dinâmica local de volta ao nosso Jardim do Rossio, repescando novas ideias que agarrassem este extraordinária ideia de captação de públicos e dinamização social. E novos cenários, entretanto também conquistados!

E assim foi feito! Houve risco e arrojo e sobretudo vontade de acrescentar valor a este belíssimo projecto que estava meio adormecido e a necessitar de ousadia e agitação. Não tivemos receio de enfrentar reservas maiores ou desagrado conforme fomos ouvindo, sobretudo pela mudança do calendário habitual e seguimos em frente. Era necessário revitalizar este evento que se dizia Cultural com a valorização desse mesmo Património e fizemo-lo reforçando a evocação da Memória Histórica da vila de dois marcos que o são para Alcáçovas para igualmente para todo o Portugal: o Tratado de Alcáçovas assinado a 4 de Setembro de 1479 e ainda a 1ª reunião dos Capitães de Abril a 9 de Setembro de 1973.

Parecia fazer todo o sentido acrescentarmos essas duas datas no calendário de celebração da nossa Semana Cultural criando assim pretexto para iniciativas de maior rasgo e projecção regional. Assim fizemos, até porque os hábitos, esses criam-se e podemos doravante cativar esta semana com maior propriedade e circunstância.

Tivemos naturalmente parceiros importantes nesta quimera que nos facilitaram a realização e o sucesso que julgamos ter almejado na presente edição, nomeadamente o município de Viana do Alentejo e a API – Associação Portuguesa de Imprensa. Foram duas entidades importantíssimas para enriquecer o nosso programa e para fazer chegar mais além a proposta de eventos previamente definida e mencionada. Conquistámos perto de duas dezenas de notícias alusivas exclusivamente à Semana Cultural ou a eventos seus em, pelo menos quinze órgãos de comunicação social portugueses e brasileiros. E essa mediatização foi possível graças aos nossos parceiros supracitados e à qualidade do programa que apresentámos. Acrescentamos que a capacidade de recrutamento de parceiros de comunicação, num processo peregrino e pioneiro até à data, almejou trazer à associação da Semana Cultural o jornal Diário do Sul, a rádio Diana FM e o jornal Tribuna do Alentejo. 

E sobre o programa, sobre que versava e até onde se espraiou?

Tivemos uma oferta muito diversificada onde apresentámos 9 exposições, sendo que uma delas (org. Câmara Municipal de Viana do Alentejo) ficará como permanente no Paço dos Henriques e estreámos entre elas uma decorrente do 1º concurso de fotografia integrado nesta semana, realizámos uma corrida de atletismo, dezasseis espectáculos musicais (entre arruadas, desfile de bandas, concertos, arraiais, música de intervenção, djs,  música medieval, noite de fado e cante alentejano), um passeio com desenhadores de rua (urban sketchers), passeio a cavalo, passeios pedestres, recriação histórica do Tratado das Alcáçovas, jogos tradicionais, jogos para crianças, demonstração de patinagem artística, serão de poesia, ciclo de cinema, workshops de introdução à cerâmica, acções de sensibilização na saúde e no ambiente, palestra sobre Património e Memória Coletiva, cerimónia evocativa no Monte do Sobral sobre o 49º aniversário da 1ª reunião dos Capitães de Abril, feira de velharias, torneio de tiro ao alvo, torneio de futebol juvenil, convívio piscatório e um passeio de carros e motos antigas, entre outros. Toda esta panóplia de actividades concretizadas só foi possível num amplo processo interativo e solidário de parceria entre várias instituições, públicas e privadas, grupo ou associações, num total de mais de vinte sete que se empenharam vigorosamente para apresentarem actividades a realizar nesta semana de 3 a 11 de Setembro.

Numa terra de interior como o é Alcáçovas, com fraca densidade populacional e com uma comunidade muito idosa, com pouca juventude e pouca oferta de emprego, urge criar elementos-âncora que pelo menos apontem um caminho de futuro, que alavanquem a sua comunidade e lhes ofereçam esperança e coesão. Esta Semana Cultural pode e deve ser isso, pode ser uma pedrada no charco sobre o esquecimento de que somos vitimas perpetuamente pelo poder central. Pode ser esta uma oportunidade de manter as dinâmicas sociais, de capacitar as associações locais para a actividade e empreendedorismo, de dar o exemplo de como a criação e revitalização cultural podem estimular o desenvolvimento económico sustentável, de manter a sua cultura e identidade própria e até de estimular trocas culturais com outros territórios, criando intercâmbios regionais ou transfronteiriços, emprestando a sua cultura e identidade a outras paragens e adquirindo  também património  e experiências exógenas que facultarão a convivialidade e a coesão da nossa comunidade, despontando-a para novas realidades e oportunidades.

E assim desejamos continuar, afirmando através da aposta mediática e da acentuação dos marcos históricos da vila e dos seus principais dotes identitários (doçaria, arte chocalheira, cante alentejano e património edificado), bem como da projecção nacional e internacional a imagem e a Cultura da nossa freguesia mais longe. Como é unanimemente sabido, as competências e as capacidades operacionais e financeiras de uma junta de freguesia são muito diminutas. Neste sentido exige-se apenas que apontemos um caminho, acentuemos a tónica sobre aquilo que poderá reforçar a coesão social do território e despontar a sua atractividade para o exterior, pois a capacidade efectiva de mudança e de operacionalização, essa dependerá exclusivamente da vontade do município. Não desejamos uma mera gentrificação do nosso espaço, uma oportunidade parcial ou sectária da sua valorização, mas sim um momento de mudança, de viabilidade económica e populacional global para Alcáçovas, assente no nosso vasto património, no que nos une e traz à visita muitos forasteiros, alguns dos quais que se acabam por apaixonar pelo território e para isso e como bem dizia Virgílio Ferreira, temos de ter a capacidade de dialogar com o mundo. E para isso que sigamos a Cultura, aquela massa que une toda a diferente matéria-prima.

Viva Alcáçovas!!