25 Abril 2021      09:19

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Salgueiro Maia - coragem alentejana na revolução de Abril

Foram 48 anos de opressão, condicionamento da Liberdade, medo e ignorância que terminaram em 1974. A mais longa ditadura europeia viu a revolução começar ainda na noite de 24 de abril.

Após ouvir as senhas musicais, na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, o capitão Salgueiro Maia, juntou 240 homens da EPC e proferiu as célebres palavras: "Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas, os estados corporativos e o estado a que isto chegou! Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos. De maneira que quem quiser, vem comigo para Lisboa e acabamos com isto. Quem é voluntário sai e forma. Quem não quiser vir não é obrigado e fica aqui." As tropas da Escola Prática de Cavalaria de Santarém tinham uma das mais complicadas missões: ocupar o Terreiro o Paço!

Nascido em Castelo de Vide a 1 de julho de 1944 - faleceu em Lisboa em 1992, com 47 anos - ingressou na Academia Militar de Lisboa e passou depois para a Escola Prática de Cavalaria de Santarém. Realizou comissões de serviço em Moçambique e Guiné e participou nas reuniões clandestinas do Movimento das Forças Armadas integrando a Comissão Coordenadora.

Após o 25 de Abril, foi membro do Movimento das Forças Armadas, tendo-se recusado a ser membro do Conselho da Revolução. Homem de causas, exerceu várias funções militares e licenciou-se em Ciências Políticas e Sociais e em Ciências Antropológicas e Etnológicas no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Em 1981 foi promovido a major e 84 marcava o seu regresso à Escola Prática de Cavalaria. Em 1988 foi promovido a Tenente-coronel.

Mais que por ter chegado às altas patentes, o eterno capitão Maia está guardado na memória de todos como o comandante de uma coluna de blindados que se tornou um ícone da revolução. Não tendo sido nunca a revolução obra de um só homem, a coragem, a crença e os princípios do militar alentejano disseram “presente” em momentos chave da revolução e terão sido determinantes no sucesso da mesma.

A vontade, garra e crença do capitão Maia eram pródigas de um verdadeiro líder, daqueles que os homens seguem pelo homem, pelos princípios, e só um homem assim teria conseguido o quase milagre de ter feito chegar a Lisboa o seu contingente em dez viaturas blindadas, obsoletas - uma ficou mesmo pelo caminho - umas sem motor de arranque, uma com autometralhadora presa por arames e com três Panhard, com cinco munições cada um.

Quantos homens dariam literalmente o peito às balas como fez Salgueiro Maia na baixa da capital num dos momentos de maior tensão da revolução?

Com 29 anos então, Maia - num dia em que fardava igual aos seus homens, querendo mostrar-se que todos eram iguais no derrube da ditadura - não recuou e, na Ribeira das Naus, enfrentou os canhões e as forças do sistema sob o comando brigadeiro Junqueira dos Reis. Bastava que o alferes miliciano Fernando Sottomayor ou José Alves Costa - que resistiram ao brigadeiro mesmo com a ameaça de serem executados - tivessem estes obedecido às ordens do brigadeiro abrindo fogo e tudo teria sido diferente.

Maia sempre recusou ter sido herói na revolução, e mais tarde dizia que «Só fiz o que tinha de ser feito.», mas quantos teriam a coragem de o ter feito com uma granada na mão e disposto a morrer?

Após este episódio, Maia regressa para junto das suas tropas a morder o lábio, para não chorar - confessou numa entrevista ao jornalista Fernando Assis Pacheco - pois naquele momento ele percebeu: a revolução vencera.

Dali seguiram para o quartel do Carmo, já com a Liberdade a pairar no ar e a fazer pulsar a efusividade da população nas ruas de Lisboa, num momento que Salgueiro Maia descreveu assim: "A marcha para o Carmo foi extraordinária pelo apoio popular que agregou, que contribuiu bastante para que o Carmo perdesse a vontade de resistir. Nunca tinha visto o povo a manifestar-se assim. No Carmo, ao chegar houve desde senhoras a abrir portas e janelas até ao simples espectador que enrouquecia a cantar o Hino Nacional. O ambiente que lá se viveu foi de tal maneira belo que depois dele nada mais digno pode acontecer na vida de uma pessoa." In Maia, Fernando Salgueiro, Capitão de Abril, Histórias de Guerra do Ultramar e do 25 de Abril, Notícias Editorial/ Diário de Notícias, Lisboa, 1997, pp 94 e 100

Entre outros louvores de guerra, em 1983, recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, e, já a título póstumo, o grau de Grande-Oficial da Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, em 1992. Em 2016, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, novamente a título póstumo, distingui-lo-ia com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

Exemplo da sua simplicidade, o tenente-coronel Salgueiro Maia pediu para ser sepultado em campa rasa, em Castelo de Vide, ao som de "Grândola, Vila Morena".

Um poema de Sophia de Mello Breyner, publicado em 1994, dizia sobre ele: «Aquele que na hora da vitória / Respeitou o vencido / Aquele que deu tudo e não pediu a paga / Aquele que na hora da ganância / Perdeu o apetite / Aquele que amou os outros e por isso / Não colaborou com a sua / ignorância ou vício / Aquele que foi ‘Fiel à palavra dada à ideia tida’ / Como antes dele mas também por ele / Pessoa disse.»

Maia não querendo ser herói, acabou por sê-lo; foi fulcral. Mas a revolução foi conseguida por muitos homens além de Maia. Abril de 74, e mais tarde novembro de 75, abriram Portugal ao mundo e concretizou-o trazendo ao país profundas melhorias na saúde, na educação, na economia, na agricultura, e em todo um sem fim de áreas; mais Liberdade para tornar público o pensamento, a livre expressão, o pluralismo e a democracia.

O ano passado, uma homenagem da sua filha Catarina, dizia "Lutaste para que todos pudessem sonhar."

Se hoje podemos sonhar, não deixemos nunca de lutar por um Portugal livre, justo, democrático, aglutinador, fraterno e mais equalitário.

 

Fotografia de Salgueiro Maia tirada por Alfredo Cunha a 25 de Abril de 1974