19 Março 2023      11:09

Está aqui

Rui Nabeiro não morre, é um símbolo do Alentejo

Partiu Rui Nabeiro, um das poucas figuras que são consensuais e queridas a uma faixa tão alargada da população, um verdadeiro símbolo da região alntejana.

O senhor Rui - como carinhosamente é tratado pelo povo de Campo – deixou-nos aos 91 anos.

Nasceu a 28 de março de 1931, na vila raiana de Campo Maior, no seio de uma família humilde que se sacrificava para que os filhos pudessem ir à escola e Rui Nabeiro estudou até à 4ª classe do ensino primário.

Manuel Rui Azinhais Nabeiro, uma pessoa com ambição e uma forte índole visionária, era, é e será conhecido e reconhecido por todos, em parte pelo seu império no negócio do café, tendo tornado a sua marca, a Delta, conhecida em todo o país e além fronteiras. O Grupo Nabeiro - Delta Cafés, está presente em mais de 35 mercados como Espanha, Brasil, França, Bélgica, Reino Unido, Angola, Suíça e Luxemburgo, por exemplo, e um dos objetivos da marca é entrar no 'top ten' das marcas de café mundiais, nos próximos anos, procurando esse caminho com pilares fortes como a sustentabilidade e a inovação e sempre sem esquecer as origens.

“A escola deu-me uma certa vivacidade e um certo querer pela vida.” Nascido no interior e numa época difícil, a humildade e a capacidade de superação acabaram por ser uma permanente ao longo da sua vida, “Nasci, cresci e vivo para o comércio (…) Hoje tenho a certeza que foi a mercearia da minha mãe que ditou a minha vocação de empresário”. confessou Rui Nabeiro. 1

Aos treze anos, após deixar de trabalhar na mercearia, juntou-se ao pai e ao tio no negócio do café. Ter trabalho no interior, à época como agora, era difícil e um privilégio e quando completou 17 anos - após o falecimento do seu pai - assumiu a direção da empresa Torrefação Camelo, Lda. E foi desta pequena empresa, num espaço com cerca de 50 metros quadrados, que nasce o império do café que hoje se conhece.

Ao comando da Delta, num trabalho de anos, Rui Nabeiro manteve sempre a mesma estratégia: “passos curtos, mas certos” e com alterações e evoluções na empresa, em meados do anos 60, nasce a marca Delta. Deste período o comendador relembrou que “Os primeiros tempos foram difíceis” (...) “A falta de meios próprios para assegurar a cobertura do mercado exigiu muito trabalho, método, disciplina e grandes doses de sentido de oportunidade. Houve momentos decisivos. Momentos em que foi necessário manter a frieza e o sentido prático para garantir o crescimento da Delta”.2

A atividade do grupo Delta vai mais além do café e abrange áreas tão distintas como o azeite, o vinho, o turismo, o imobiliário, a indústria, serviços, comércio, hotelaria, distribuição, entre outras, como a produção de uma máquina de café própria, a “Mayor”.

Foi, por várias vezes distinguido como o empresário em quem os portugueses mais confiavam. Nas suas empresas trabalham pessoas de vários locais, aproximadamente 4000 pessoas, estando aproximadamente metade em Campo Maior, e refere Rui Nabeiro que “Eu não trabalho para mim, nem quem trabalha para mim trabalha para eles próprios, nós trabalhamos uns para os outros”, criando uma noção de pertença e satisfação no trabalho raras em empresas tão grandes.

Na sua humildade, defende que não há nada melhor na vida que as pessoas saberem acarinhar, a humildade, a simplicidade, as lembranças de quem subiu a pulso na vida e o respeito pelo trabalho e pelas pessoas fazem com que, quer a funcionários, quer a fornecedores, quer a clientes, o Comendador Rui Nabeiro trate com igual respeito: “fazer de cada cliente um amigo e de cada amigo um cliente”.

É conhecida a história de a primeira pessoa a chegar à empresa é ele, bem cedinho, para dar o exemplo e as suas empresas fazem questão de apoiar associações, coletividades, projetos e outras manifestações sociais que a eles se dirijam em busca de patrocínios e auxílios quer monetários, quer materiais, quer em apoiar projetos de solidariedade em diversas escalas como aconteceu em 2002, do projeto “Um Café por Timor” e em que parte do dinheiro resultante da venda de Café Delta Timor revertia para construir escolas e estruturas básicas em Timor.

A Delta foi a primeira empresa nacional a conseguir uma certificação em Responsabilidade Social e Alice Nabeiro, esposa, lidera a associação “Um Coração Chamado Delta”, que coloca em prática a forte aposta da empresa na responsabilidade social. Criou também o Centro Educativo Alice Nabeiro, para dar resposta às necessidades extra-escolares das crianças de Campo Maior.

Também na luta política, Rui Nabeiro contou com algumas batalhas, considerando-se um homem de esquerda, em 1972, ainda durante o Estado Novo, assumiu presidência da Câmara Municipal de Campo Maior, o que viria a fazer por via eleitoral, já no pós-25 de abril, em 1977 e onde se manteve até 1986, uma ação que, na perspetiva de Rui Nabeiro, foi o cumprir de serviço público; era necessário na época e ele assumiu.

Se perguntassem ao senhor Rui - modo como gostava que o tratassem - sobre a razão do seu sucesso, a ênfase é colocada no trabalho, no inconformismo, na vontade de progresso e com a conclusão “ninguém faz nada sozinho”.

Foi distinguido, em 1995, pelo Presidente da República, Mário Soares, com o grau de Comendador da Ordem do Mérito Empresarial e, em 2006, Jorge Sampaio atribuiu-lhe o Grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Em 2008 recebeu uma outra homenagem e que Rui Nabeiro homenageou-o com uma estátua em bronze, da autoria de Laureano Ribatua.

Com tantas distinções, homenagens e elogios, Rui Nabeiro reage com “Uma pessoa não pode desviar-se de uma conduta equilibrada.” e acredita também que “Homens que fizeram coisas muito grandes, muito grandes, tiveram uma atitude de vida diferente - um inconformismo. A forma como se vai ajuntando e amealhando amigos, por acreditarem em nós, nos recomendam, é fundamental.”

Em nome do Tribuna Alentejo, os nossos sentimentos a toda a família. Guardaremos, também nós, o seu exemplo e a memória do seu abraço, da sua simpatia, da sua humildade e perseverança.

Um obrigado do tamanho do Alentejo, Senhor Rui. Até sempre!

 

Luís Carapinha, diretor

1 Entrevista à revista das Seleções do “Readers Digest”, em 2002.

2 Em entrevista ao site ceolusofono.com