24 Dezembro 2021      16:52

Está aqui

Roncas de Elvas, uma tradição renascida

Seguimos a nossa rota pela cultura alentejana, desta vez até à cidade raiana de Elvas. Localidade onde as encantadoras fortificações abaluartadas dominam uma paisagem singular. Mas não é só de património construído que a cidade se destaca, Elvas é, durante a época natalícia, uma verdadeira guardiã de uma tradição única e para muitos “ancestral” – as roncas.

Com exceção a alguns cidadãos que, com resistência e perseverança ecoavam as suas vozes em cafés ou tascas, pouco ou nada sobrava desta tradição nas noites frias de Natal. Mas é na vontade e no crer que o povo alentejano se envolve na salvaguarda dos seus maiores bens. No fundo, das suas tradições e costumes.

A ronca é um instrumento musical que acompanha os cantos de Natal. De origem não identificada, existe também na Europa, África e América do Sul. Segundo alguns investigadores, este instrumento em forma de  “vasilha de barro”, poderá ter chegado à Península Ibérica por tribos berberes originais do norte de África, no séc. VIII. Membranofone de percussão, constituído por uma estrutura cilíndrica com uma pele esticada numa das aberturas, é percutido por uma cana fixada no centro da membrana. O executante, com a mão molhada, fricciona a cana fazendo vibrar a pele e produzir um ronco.[1] 

De uma forma geral as roncas têm um procedimento muito próprio no que toca ao seu fabrico. Na cerâmica, a “Péla” (pedaço de barro limpo) é preparada e amassada até estar apta a ser trabalhada.

Posteriormente é levada para a roda de oleiro onde o recipiente de barro (caixa de ressonância do instrumento) é moldado. Duas características marcam este recipiente: as estrias no seu interior, como forma de melhorar o som e os desenhos decorativos no seu exterior. Por sua vez, a cana, é por norma apanhada e secada em Novembro. Em seguida, descasca-se e trabalha-se o rebordo da raiz de forma a melhor ser amarrada à pele com um fio. Por outro lado e no que diz respeito à pele, opta-se maioritariamente pela de cabrito. No final e com grande mestria, os artesãos montam todos os elementos. A cabeça da cana é atada no centro da pele. É Tapado o gargalo do recipiente e fixado o conjunto ao barro com o fio do norte e a pele é bem esticada e deixada em repouso até clarear.[2]

Com o nosso conhecido capote, o boné e a ronca "das nove horas até à meia-noite de Natal percorrem as ruas da cidade diferentes grupos de homens do povo, cantando em altas vozes, em coro, e núm rhytmo e entoação especial, trovas ao Menino Jesus, acompanhadas pelo som àspero da ronca: alcatruz de nora, ou panella de barro, a cujo bocal se adapta uma membrana, ou pelle de bexiga, atravessada por um pau encerado, pelo qual se corre a mão com força para produzir um som rouco. Somente pelo Natal é este instrumento ouvido."[3]

Ao referirmos as Roncas de Elvas, impõe-se mencionar o seu grande produtor de momento – o ceramista Luís Pedras que, a par das gentes de Elvas, tem tido um papel fundamental na recuperação deste instrumento.

 

Imagem de 7maravilhas .pt

 

 

[1] e-Museu do Património Cultural e Imaterialhttps://www.memoriamedia.net/index.php/ronca-de-elvas-saber

[3] PIRES, António Thomaz . "A noite de Natal, o Ano Bom e os Santos Reis” in Estudos e notas elvenses. António Torres de Carvalho. Elvas, 1923 ( 2ª ed.).