14 Dezembro 2019      12:52

Está aqui

Romã

Tenho uma árvore no meu quintal. Mesmo em frente à porta da frente, há uma árvore. Uma bela árvore. Opulente, graciosa, tem flores e tem frutos. Chama-se Romanzeira. O seu nome e o nome que lhe dei eu próprio. Sabia de todos os seus significados. Da sua componente espiritual em várias religiões. A minha romãzeira crescia e medrava a cada dia. Em frente à minha porta, parecia ser ela que me indicava o caminho a seguir. A romã que dava tornava-me mais forte, a cada dia, cada vez mais.

Símbolo da fertilidade, a cada fruto que dava e que eu colhia, os bagos que saboreava eram o deleite. Vejam os símbolos impressionantes que surgem cada vez que sobre elas lemos. Aquela árvore que em minha frente se erguia era especial, quase que como a entrada para o reino de Hades, onde me encontraria com Perséfone e os bagos consumidos dividiriam e consumar-se-iam nas estações do ano. Embora, nos anos que corriam, desse apenas uma única romã, era a mais perfeita das árvores para mim. A primeira que via ao abrir os olhos e a primeira que me olhava de volta, acenando como se o vento transformasse os seus ramos em braços acolhedores. A Romanzeira estava agarrada àquele lugar, tal como eu. Pensava.

Um dia, porém, por alguma razão que desconheço, aquela árvore desapareceu da minha vista. O lugar onde estava, em frente à minha porta da frente estava nu. Nada estava ali. Senti-me igualmente despido e nada mais me poderia ocupar o pensamento até que voltasse a ter ali a árvore do único fruto que me deleitava e o único que conhecia por meu. Sentado em frente ao lugar vazio, tudo o que ali estava era Perséfone que chegava e partia, sem que a visse. Apenas pressentia a sua presença e isso poderia alegrar-me.

Que sentido fazia a romã? Que sentido faz este texto que, além de começar com a letra R, pouco mais nos diz. Sentindo-se apenas o sabor de cada bago, perdendo-se apenas no reino dos infernos de Hades se poderá entender a fome.

Sozinho, escreverei sobre os ratos que povoam as romarias, dos rios que rompem as ruas e os rostos que riem. A Romanzeira abandonou-me levando todos os pedaços de mim, presos por uma casca ténue, mas que ainda assim deixam marca indelével a quem os toca. São bagos apenas, são apenas os bagos de Perséfone e as estações do ano que agora termina.