18 Junho 2022      09:56

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Regresso ao Alentejo

Hoje, a família ausente, regressou a casa. Longos anos se passaram desde que duas pessoas saíram daquele monte. Quando o deixaram, viviam nele mais do que uma família. Esta, a mais nova, formara-se de uma moça que morava no monte a seguir, cujos olhos se cruzaram com o moço que vivia no preciso monte de que falamos.

Nesta casa, há muitos anos, vivia o moço e muitos irmãos, com os pais e ao lado, muitos primos. A moça vivia no cerro a seguir, com muitos irmãos, muitos primos e os pais.

Assim era em tantos montes do Alentejo, assim era em quase todas as famílias desta vasta e povoada região de Portugal.

O moço e a moça viram-se pela primeira vez quando tinha pouco mais do que catorze anos, no meio das estevas, dos sobreiros, das azinheiras e dos medronheiros e, especialmente, das urzes cujas flores estavam no seu estado mais belo em concordância com as papoilas das estevas. Ambos guardavam o gado, acompanhados dos irmãos e das irmãs.

A sua primeira troca de olhares foi, talvez, o momento mais especial das suas vidas. O primeiro discurso articulado entre os dois foi ingénuo e apaixonado. Nascera, ali, uma família na ideia de cada um. O amor e a paixão de dois adolescentes que bem sabiam que o eram, nascera e iria florescer.

Os anos passaram e com eles cresceu a paixão e esse amor. Começaram a namorar, e durante os anos assim continuaram, enquanto uns irmãos partiam para outras paragens, enquanto os pais partiam para paragens ainda mais distantes e eternas, enquanto as casas ficavam mais vazias.

O silêncio que ocupava as casas notava-se pela ausência. O vazio deixado pela partida dos primos, dos pais e dos irmãos era substituído pelas ervas daninhas, pelas telhas que caiam pela falta de manutenção, pelas paredes cuja cal deixava de segurar e mostrava o débil reboco das pedras.

Muitos anos passariam. Também a moça e o moço partiram para outras paragens. Foram-se por muitos anos e por lá conheceram outros lugares, por lá deixaram as gotas de suor e o fruto do seu trabalho.

Nunca se lhes fugiu da ideia o monte que desde sempre conheceram e, agora, na terra que os acolheu, apesar de lhes proporcionar uma vida diferente, nunca poderia apagar o monte onde nasceram, onde se conheceram e onde queriam regressar com a família que entretanto nascera, noutros quadrantes.

Esse dia chegou. O dia do regresso ao Alentejo. O dia em que aqueles dois que muitos anos antes tinham partido com pouco mais de uma maleta, regressavam com muito mais do que uma mala, com filhos e netos. Nem todos vinham consigo, mas muitos mais viriam. Este, era o dia em que o regresso começaria. E o momento em que aquele monte, aquela cal e aquela faixa azul voltariam a brilhar com a luz do sol.

Este era o dia do regresso ao Alentejo e, mais importante, o dia do regresso do Alentejo, na alma dos seus filhos.