14 Setembro 2016      07:27

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A QUESTÃO ESSENCIAL É QUE A AUSTERIDADE É UMA FORMA DE VIOLÊNCIA

Em setembro de 2008, Portugal era um país muito diferente do que é hoje. Tinha uma dívida pública de 71.7%, face ao PIB, aproximadamente metade da que tem atualmente, que é estimada em cerca de 131.6%. Passados oito anos (cinco dos quais vividos em regime de austeridade) e 78 mil milhões de euros depois o que esperar do Orçamento de Estado para 2017?

Para responder a essa pergunta, teremos de dar um passo atrás e olhar para as coisas de uma posição diferente. Eis o ponto de partida: a austeridade aplicada a partir de 2011 encerrou dois tipos de agressão, subjetiva e objetiva, ao povo português. Por ordem de ideias, em primeiro lugar, houve uma violência simbólica consubstanciada na linguagem e na forma como a austeridade nos foi imposta, justificada e mantida. Em segundo lugar, houve uma investida violenta e objetiva ao bolso do contribuinte, único meio encontrado para atenuar as consequências catastróficas dos efeitos gerados pela crise que assolou o nosso sistema económico e financeiro.

Contudo, a crise per si não justifica tudo o que aconteceu à nossa economia, nem explica toda a desgraça que se abateu sobre o contribuinte, sendo que não estão isentos de responsabilidade todos os anteriores executivos que nos governaram nos últimos 40 anos, nem as entidades de regulação que deveriam ter funcionado e não funcionaram.

Ao analisar as medidas em vigor, que constam do Orçamento de Estado de 2016, poder-se-á sustentar que passos significativos foram dados para reverter algumas das medidas de austeridade, que severamente foram aplicadas nos últimos cinco longos anos. O que desde logo, devolveu alguma esperança aos portugueses, mas que considero manifestamente insuficiente.

Embora, reconheça o esforço e o empenhamento do atual governo, que já cumpriu com mais de metade das medidas estabelecidas nos acordos celebrados com os partidos de esquerda, designadamente a reposição dos salários dos funcionários públicos até ao final do ano; a redução do IVA na restauração; a devolução de parte da sobretaxa de IRS; e a atualização das pensões; muito há ainda por fazer, nomeadamente o compromisso para acabar com a sobretaxa de IRS; a promessa de atualização dos salários dos funcionários públicos, que aliás têm ordenados com cortes desde 2010 (primeira grande medida de austeridade); o descongelamento das progressões nas carreiras da Administração Pública; o alívio do IRS através das mexidas nos escalões; a baixa da TSU para os trabalhadores com ordenados abaixo dos 600 euros; o descongelamento do Indexante de Apoios Sociais (IAS); e o aumento do valor das pensões mínimas.

Nesta linha de raciocínio, considero que ainda há um longo caminho a percorrer no sentido de devolver o rendimento usurpado às famílias e 2017 é o momento certo para desfazer a espiral de austeridade que se abateu sobre Portugal.

A premissa subjacente de que parto é a de que há algo intrinsecamente cruel e ineficaz na aplicação deste tipo de políticas, desde logo, a avaliar pelo valor em que se situa a dívida pública atual, que confirma que o rumo à austeridade não levou a "jangada de pedra" a bom porto.

Numa abordagem conceitual e desapaixonada diria somente: a austeridade apenas apresta-se como processo de violência sistémica sobre as famílias e as empresas. Logo, as expectativas depositadas no Orçamento de Estado de 2017 são elevadíssimas. e ao Governo e à Assembleia da República exige-se responsabilidade, lealdade, rigor e trabalho árduo para que possamos virar esta página negra da nossa história, bem como se impõe a participação ativa dos cidadãos na elaboração de ideias através da inclusão de um orçamento participativo.

Se reivindicar direitos sociais é a forma democrática de procurar uma saída para uma sociedade à beira do caos, onde estão esses hereges, corajosos e visionários que podem mudar o sistema e não destruir a vida das pessoas?

Imagem de capa da RSF daqui.