Ponto prévio, nunca simpatizei muito com João Soares. Sempre houve algo na sua forma de actuar enquanto dirigente que me deixou de pé atrás, sentimento que se manteve aquando da sua nomeação para Ministro da Cultura.
Não obstante este sentimento, não posso deixar de discordar com tudo o que levou à sua demissão durante esta semana.
Quando um comentário queirosiano (sim, basta ler um pouco da obra do Autor para identificarmos a metáfora) é de tal forma desvirtuado que leva à demissão de um Ministro, tal facto deve fazer-nos pensar.
É certo que, enquanto titulares de cargos governativos, como disse António Costa, deveremos sempre ter cautela na nossa forma de actuar.
João Soares poderá ter-se excedido na resposta às constantes críticas pelos cronistas em causa, mas, salvo melhor opinião, um pedido de desculpas expresso e, até mesmo pessoal, teria sido o suficiente para pôr termo a toda esta não-polémica.
Coincidência ou não, rapidamente foi esquecida toda a polémica em redor de Maria Luís Albuquerque que, em pouco espaço de tempo, conseguiu duas nomeações fruto da sua ligação ao Governo: a de Administradora numa empresa para ela “supostamente” desconhecida até ao convite e a de Vice-Presidente do PSD.
Portanto, o mesmo Partido que criticou e exigiu a imediata demissão de João Soares, é o mesmo que nomeia como sua Vice-Presidente alguém que se encontra num alto cargo empresarial em virtude de benefícios prestados enquanto Ministra, não deixa de ser curioso.
É esta sede de “vingança” que tem marcado a oposição feita mais pelo PSD do que pelo CDS.
Primeiro a recusa em apresentar propostas de alteração ao Orçamento de Estado, não obstante as críticas constantes feitas ao mesmo.
Segundo, a tentativa de desvirtuar toda e qualquer medida através de títulos de imprensa que muito tentam ludibriar algum leitor mais distraído.
Agora toda esta não-polémica em redor de uma declaração, infeliz, que não passou exactamente disso sendo que, todos nos recordamos de declarações feitas por Passos Coelho que, vistas do mesmo prisma, deveriam ter levado à sua demissão imediata.
Enfim, como o próprio Eça de Queiroz, mais uma vez, nos ensina:
“A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva.
À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade. “
Eça de Queiroz, in 'Distrito de Évora (1867)
Imagem de capa daqui.