11 Julho 2021      12:14

Está aqui

A queimar no bolso e por dentro

Numa noite de primavera do ano de 1934, um senhor de certa idade desceu os degraus de pedra que levam a uma das pontes....

“Pago com uma nota de 5 euros. Retiro algumas moedas de troca. A nota permanece no balcão. O lojista cumprimenta-me e desaparece na sala dos   fundos. Eu, distraidamente retiro a nota de 5 euros, despeço-me e caminho em direção à saída."

A história, no entanto, não foi assim, mas sim assim:

“Retiro conscientemente a nota de 5 euros, digo adeus e caminho para a saída”.

Um daqueles gestos que, olhando para trás, acho difícil de explicar, até porque são completamente inusitados em mim. Uma necessidade instantânea de agir de forma diferente do que é certo e usual.  Fico por um momento fora da loja. Após uma breve reflexão, talvez até um pouco inspirada pela vergonha, decido não voltar para devolver a nota, mas dá-la a alguém que realmente tem necessidade imediata. Na entrada de um supermercado próximo há sempre alguns emigrantes pedindo ajuda. A esta hora o supermercado já está fechado e a praça está deserta. A nota queima no meu bolso, até que dois dias depois encontro meu Andreas e faço as pazes comigo mesmo.

Die Legende vom heiligen Trinker, 1939 (A Lenda do santo beberrão, Editora Ugrino, 2001), é um conto autobiográfico do escritor austríaco Joseph Roth. O título desta peça é a abertura da história. A partir dele foi feita uma adaptação para o cinema, com o mesmo título, dirigida por Ermanno Olmi, com Rutger Hauer. O trabalho ganhou o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza em 1989 e o prêmio David di Donatello em 1989.

 

--------------------------------------------------------------------------------------------

Giuseppe Steffenino, natural do noroeste da Itália, está ligado a nós pela admiração que ele tem a Portugal e ao Alentejo em particular, onde, com a sua companheira, Manuela, foram salvos de um afogamento numa praia o ano passado. Aqui e ali a pandemia está a mudar a nossa maneira de viver e pensar. Esse médico com barba branca, apaixonado por lugares estrangeiros e um pouco idealista, interpreta este tempo curvo, oferecendo-nos os seus sonhos, leituras, viagens, lembranças, pensamentos, perguntas, etc.