6 Março 2022      10:04

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Qual é o animal mais perigoso do mundo?

“You are looking at the most dangerous animal in the world. It alone of all the animals that ever lived can exterminate (and has) entire species of animals. Now it has the power to wipe out all life on earth.” (“Está a olhar para o mais perigoso animal do mundo. É o único de todos os animais que alguma vez viveu capaz de exterminar (e já o fez) espécies completas de outros animais. Tem agora o poder de terminar toda a vida na Terra”) - dizia um espelho no Zoo do Bronx, em Nova York, em 1963.

A mensagem tem tanto de simples como de verdadeira. Já o era em 1963, e é-o muito mais nos dias de hoje.

Há 8 anos atrás, aquando da invasão da Crimeia, escrevi “A velha Europa ainda não percebeu que nunca mais será a mesma depois do conflito na Ucrânia; seja qual for o resultado. E tudo porque a velha Europa pensou que havia uma nova Rússia. Enganou-se, é velha, tal como ela e uma velha China. Coisas do passado que se repetem; a velha Europa que fala em vez de agir, só agora percebe que a União que criou tinha boas bases, mas despistou-se algures na economia. A guerra na Ucrânia nunca será uma guerra civil, é pela soberania. Sempre foi. Maus agoiros...”

Infelizmente, os mais recentes desenvolvimentos comprovam-no. Ao escrito acima, acrescentaria ainda “os velhos Estados Unidos”.

Putin, no poder e com o poder há cerca de 2 décadas, teve tempo de pensar no como poria em prática o seu plano para fazer voltar a Federação Russa àquilo que tinha sido a ex-URSS (nunca o escondeu) e fê-lo com a conivência de todos, devagarinho, com paciência, gerindo as crises e opositores internos do modo que aprendera no KGB: apagando-os.

Antes de agir, foi pedir a bênção a Xi Jiping. Precisava de uma desculpa para invadir a Ucrânia, arranjou-a; inventou-a. E fê-lo.

A Perestroika e a Glasnost perderam fulgor, rigor e credibilidade com Yeltsin. Enquanto a Rússia procurava um novo caminho democrático e encontrava as suas “dores de crescimento”, o Ocidente assistia, preocupado consigo, com o seu crescimento, e virando costas ao que por lá passava ou tratando o país de moldo até jocoso, afinal era a toda poderosa ex-URSS que estava agora nas ruas da amargura. O Ocidente não incluí a Rússia na ordem do dia, não perguntou a opinião, não incluí, excluí. Afastou-se da Rússia e demos azo a que Putin e o seu séquito de oligarcas tomasse o poder e se aproveitasse de um povo por demais castigado e massacrado pelas dificuldades económicas. Criaram cortinas de fumo atrás de cortinas de fumo. A velha máxima romana de “pão e circo” tornou-se a prática e qualquer que enfrentasse o sistema era dado um caminho ao estilo “gulag”.

No entanto, nada - repito e em maiúsculas NADA – legitima este ataque brutal à Ucrânia. Com base na defesa da população russófona que vivia em território ucraniano (num conflito que surgiu por milícias instigadas pela Rússia) Putin pôs em prática a sua “operação militar especial” com o objetivo de uma “desnazificação” da Ucrânia, e lá foi destruir um país soberano.

Tamanha hipocrisia até tinha o seu quê de ironia ou humor negro, não fosse o sofrimento de toda uma população. Falar de desnazificação quando são apontadas a Putin várias acusações de financiamento da extrema-direita por toda a Europa e Estados Unidos é algo que não consigo classificar, mas que agora se compreendem. Juntamente com o apoio a Bolsonaro, a Trump e a Boris Jonhson, para pôr o seu plano em prática, Putin precisava destruir a NATO (Trump quase que o fez), criar separatismos e cissões na Europa (o Reino Unido saiu da UE) e Salvini, Le Pen e outros tantos agitaram internamente as políticas e tornaram as manifestações mais violentas e os seus discursos contrários aos princípios base da fundação da UE e até da Carta dos Direitos Humanos.

Talvez a pandemia tenha travado um pouco as suas aspirações, talvez lhe tenha dado mais tempo, mas assim que começou a dissipar-se, só esperou pelo final dos Jogos Olímpicos de Invernos (na China) para atacar.

Perante o ataque, uso as palavras de Carlos Vaz Marques: “Qualquer tipo de relativismo, perante uma agressão brutal como a que está a ocorrer contra um país soberano, é pura miséria moral. Que fique para memória futura o registo dos que o praticam, imunes ao mais elementar princípio de decência. “

Não consigo também classificar os que tentam justificar a todo o custo, posições que, no caso de alguns partidos políticos, creio que possam até poder perigar a sua existência. Não compreendo como se pode apoiar Kim Jung Un e Maduro, e em simultâneo Putin, e criticar Bolsonaro e Trump. Como se pode criticar a invasão do Iraque, a questão afegã, e apoiar a ação de Putin? Como se pode acusar a NATO de provocar Putin? Como se podem ver ao espelho após verem as imagens dos, para já, 1 milhão e cerca de 500 mil refugiados? 

Por outro lado, não há também justificação e são inconcebíveis as ameaças feitas a apoiantes e militantes do PCP e à população russa. O todo e as partes não são a mesma coisa.

Da Ucrânia vão chegando imagens desoladoras, histórias de morte e destruição, mas também de coragem e resiliência. Volodymyr Zelensky tem sido o líder inesperado e necessário ao povo ucraniano, mas por nervosismo, medo (natural) e sentimento de “estar sozinhos” tem-se, nos últimos dias e na minha opinião, excedido quer nos comentários que tem feito, quer na quantidade de exposição mediática a que se tem sujeitado.

Mas se da Ucrânia chegam exemplos de coragem, que dizer dos russos que protestam na própria Rússia contra a guerra? Que dizer dos milhares de russos já presos por tão pura e simplesmente estarem contra a guerra? Aliás, a lei mudou na Rússia, não se pode classificar o que está a acontecer como “guerra” (ver artigo de Giuseppe Steffenino “Quando se chama "Pravda" tudo fica mais claro”).

A loucura, o fanatismo do regime putiniano é tal que prendeu duas crianças que tinham cartazes contra a guerra e Yelena Osipova, uma senhora quase centenária, ativista, artista, e sobrevivente do cerco a Leningrado (St. Petersburgo) pelos nazis e que, enquanto era detida continuava a gritar "não à guerra".

Esta Rússia não é comunista, nem capitalista, é comandada por um ser que não permite democracia, que governa pelo prazer de exercer poder e para enriquecer ele e os amigos, enquanto grande parte da população vive mal. Um homem com laivos de loucura, que deseja reerguer o Império Russo: "Putin irá até onde lhe permitirem reconstituir as fronteiras do império" disse já José Milhazes. Este “plano” significa fazer a países agora da NATO, o mesmo que está a fazer na Ucrânia. Aí, a ação das forças atlânticas será outra e, se agora já há uma clara escalada de dureza quer no discurso, quer na guerra, temo a ameaça nuclear e que a frase atribuída a Einstein - “Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus.” – possa ser mais real que nunca. Mais, aguardo com reserva, muita, uma posição da China face a este, e outros conflitos que possam surgir na sequência.

O fanatismo, o desejo infinito de poder, podem levar não só ao fim de uma era de Paz, mas ao próprio fim da civilização como a conhecemos. Sim, o ideólogo daquela frase num espelho do Zoo de Nova York, em 63, tinha razão: O Homem é o animal mais perigoso do mundo. Lamento que não aprendamos com o passado, mas espero e acredito ainda que a diplomacia possa trazer luz a estes tempos de escuridão da espécie humana.

 

 

Imagem de flashbak. com