23 Março 2021      12:58

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Proteção de Dados considera voto eletrónico em Évora “cheio de falhas”

A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) emitiu um parecer que descreve a experiência-piloto sobre o voto eletrónico nas eleições europeias de maio de 2019 em Évora como fracassada e cheia de falhas, adianta o Público.

Em oposição está o parecer da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), que considerou a experiência um sucesso logo em julho desse ano.

Contudo, a experiência foi tão má que a comissão está a colocar um travão às pretensões de introdução a curto prazo do voto eletrónico, mencionando uma “necessidade inultrapassável de se proceder a uma ponderação sobre os riscos e os méritos que dela possa resultar”, para além de ser preciso dotar tecnicamente a CNE e tribunais para a fiscalização e de recomendar um “rigoroso escrutínio prévio da tecnologia a utilizar e das medidas de segurança previstas” para assegurar a proteção de dados.

A CNPD enumerou diversas falhas no processo, que incluem máquinas de voto eletrónico sem selo de segurança ou com selo rasgado; sistemas operativos das máquinas com ficheiros acedidos e alterados depois do dia das eleições; transporte da pen USB enviada à Assembleia de Apuramento Intermédio com as listas dos eleitores que votaram no distrito de Évora sem medidas de segurança que prevenissem o acesso indevido ao seu conteúdo; máquinas de voto sem local exato para serem armazenadas; presença de cidadãos não eleitores nas assembleias eleitorais (os técnicos da empresa subcontratada para prestar apoio ao sistema de voto); caixas com os cartões de memória onde estão registados os votos foram levadas para o comando distrital da PSP quando deviam ter ficado à guarda de um juiz; e informação excessiva dos cidadãos nos cadernos eleitorais.

A Proteção de Dados chega mesmo a dizer que, em alguns casos, os processos não ofereceram “garantias suficientes da integridade do voto”, salientando ainda que “estando em causa um projeto-piloto em que os votos eletrónicos contam para o resultado eleitoral, este tipo de incidentes não é de todo admissível”.

A selagem das máquinas de voto e das caixas de transporte foi feita com um selo com a inscrição “República Portuguesa – voto antecipado”, mas como eram autocolantes não isolavam verdadeiramente os sistemas de acessos indevidos – e nem todos o tinham ou não o tinham intacto.

Além disso, contabiliza-se também o facto de haver discrepâncias entre o número de eleitores descarregados nos cadernos eleitorais digitais e o número de votos constantes das máquinas em pelo menos três secções de voto. Já em várias atas das assembleias de voto havia protestos de delegados das mesas por não se contarem estes votos, mas foram indeferidos porque o secretário de Estado adjunto da Administração Interna deu ordens expressas para que as urnas não fossem abertas.

Segundo a CNPD, a impressão dos votos eletrónicos e a conservação dos impressos “revelou-se praticamente inútil, uma vez que não houve lugar à sua contagem, frustrando-se o objetivo da previsão legal de um projeto-piloto”.

Quanto à proteção de dados pessoais, a comissão conclui que os cadernos eleitorais desmaterializados contêm “excesso de informação”, e que a SGMAI sabe, em tempo real, a identidade dos eleitores que estão a votar. Também não se pode esquecer que, quando a impressão do boletim de voto falha, o presidente da mesa irá igualmente saber o sentido do voto do eleitor, pois cabe-lhe a função de mandar imprimir o boletim novamente.

A CNPD avisa ainda que é necessário definir que tipo de voto eletrónico se pretende consagrar na lei – presencial (e-voting) ou à distância (i-voting) – e “regulamentar concreta e exaustivamente o processo eleitoral que enquadre o exercício do direito de voto”, mas também de uma forma que mostre aos eleitores a segurança do processo.

Além de a Constituição portuguesa exigir o voto presencial, a CNPD destaca que só esse garante plenamente a liberdade de voto, porque à distância não é possível aferir se o eleitor está ou não a ser coagido – e é por isso que é desaconselhado.

 

Fotografia de sicnoticias.pt