18 Junho 2017      13:27

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PROF. VICTOR BERGMAN

"DESVIOS E RESPECTIVOS ATALHOS: FILMES, LIVROS E DISCOS"

Uns quantos e lambuzados porquês, incertezas e fundamentações projectadas em múltiplas direcções, e logo devolvidas entre júbilos. Ligeira pausa.

Espaço 1999, digo a certa altura, e sorrio – como uma pista, cujo significado está apenas ao alcance de alguns privilegiados, que se solta.

Espaço 1999 (!), e continuo a sorrir - a exclamação como cunho pessoal, uma sensação vaga de poder, servida trocista numa espécie de bandeja de bits.

Dois, por assim dizer, agora na mais profunda perturbação, trilhos paralelos a operarem dentro da mesma Moonbase: Alpha. Duas temporadas separadas por algo mais que matéria negra. Sempre que a Espaço se seguir 1999 a proposta é singular e unívoca: a 1ª temporada. A memória resiste, como o sabor das nêsperas roubadas do pomar da vizinha antipática ou o japonês arrastado e iconólatra de Conan, o Rapaz do Futuro.

Preâmbulo: A 13 de Setembro de 1999, na sequência de um acontecimento nuclear catastrófico (e amplificado à potência S dos sonhos-loucos), a Lua é expelida da órbita terrestre e destinada a vaguear pelo Universo, qual nave espacial à deriva, com 311 habitantes a bordo, vagabundos espaciais na tal Moonbase.

Viagem solitária, expiatória, exploratória, retórica, dialéctica, errante, harmónica, dissonante, ilógica e divina. Antecipo, e não devo!

De entre esses 311, Victor Bergman, PhD, nascido a 27 de junho de 1940 em região incerta, vencedor de Prémio Nobel em categoria igualmente incerta, braço direito e lóbulo frontal do novo e eterno Comandante da base lunar devaneante, John Koenig.

Uma primeira passagem do bom professor pela base terá redundado em fracasso, culpas no cartório mais ou menos justas, enfim, um passado pouco esclarecido e só vagamente abonatório (PhD e Nobel vs. desastre nebuloso com um nome e um ano: Ultra Probe Mission, 1996).

E John Koenig, 17 anos mais novo, que também esteve envolvido no projecto gorado, não teve um percurso menos sinuoso (nos seus tempos de piloto-astronauta terá sido forçado pelas circunstâncias a tomar uma decisão que implicou a morte de 14 pessoas).

Mas quanto a isso, a devida água correu e desapareceu em foz esquecida, o ano que conta é 1999. Glorioso futuro de um certo passado. Dois tipos do futuro com a aura do passado, portanto.

O regresso dos amigos de longa data a Alpha coincide com novo acidente, e tais percursos são assim duplamente irónicos e não eximidos de perplexidade: de acidente em acidente até ao delírio total (com o sentido de fim-último para o fantástico percurso).

E é por esses olhos, tanto dados à grandeza como à tragédia, olhos de criança, que observaremos a viagem. Espreitam o desconhecido, e Koenig (bravo, porém preventivo capitão-da-guarda) questiona: “Victor, o quê?”; Victor sorri e coloca a mão sob o queixo, reflecte brevemente e antecipa: “Black Sun”, “Anti-matéria”, “Ecos”, “Magnetismo”…

Recordo um dos queixumes devolvidos na noite, suposta armadilha, que advertia para a ineficácia do argumento. Era armadilha, e o ressentido autor do argumento acabara de nela ficar preso. Assim lho garanti. Não se tratava de ciência. Tratava-se de amizade; pureza; desordem existencial; prazer em descobrir; precisamente de libertar a mente das grilhetas da eficácia. A ciência sempre fora para aquela amizade aventureira cárcere, prisão que gerara erros, erros que geraram acidentes, acidente que finalmente libertara a Lua, bem como a amizade, para a (sonhada) quimera. Sim, ao “O quê?” de Koenig, Victor retorquia “Black Sun!”, para acrescentar sempre um “Quem o pode verdadeiramente saber!?” jovial, respeitoso para com os mestres, deleitado perante o desconhecido, corajoso e cortês para com o distinto. Simples e fora de moda. Franco e constitutivo.

Quanto à dúvida que possa surgir: mas não era o objectivo dos selenitas alphianos regressar à Terra? Presumo da réplica óbvia: queriam Scott, Cook, Livingstone, Ponce de Leon, Magalhães realmente regressar?

Logo no segundo episódio, encontram um planeta habitável do tipo-Terra, e, da morte, alguém íntimo os avisa para os perigos daquele lar de aspecto tão benigno e familiar.

Rejeitam o aviso, descem à superfície do planeta e deparam-se com um mundo de antimatéria, um negativo de rosto idêntico e com propósito sinistro.

A viagem da Lua pelo Universo da Fantasia, adequadamente, ostensivamente, não tem regresso nem desejo de regresso.

 

Imagem de thebigo-oshman.blogspot.pt