11 Agosto 2018      13:53

Está aqui

Quando a cinza substitui o pó, as coisas deixam de fazer sentido. As gotas de água não o transformam em barro, nem servem para colar ou construir algo novo. As gotas de água não chegam a tocar o pó do chão.

Nestes dias, esse chão, cobre-se de negro e de um cheiro nauseabundo, a queimado. Perde-se na vista o alcance da desolação, perde-se no horizonte a quantidade de espaço que outrora era e neste momento já não o é. Quando tudo o que era terra e medrava, se resume a pó queimado, vulgo, cinzas, não se transforma em barro nem dele sairão peças de cerâmica ou tijolos que construirão casas e, em outro lado, serão terra fértil que dá alimento.

No olhar daqueles cuja vista alcança o terreno fulminado, alargam-se as íris e alagam-se as pálpebras em lágrimas que não farão cerâmica nem darão fertilidade aos campos. No olhar desses entende-se todo o pensamento e a incredulidade da sua vontade, sempre impossível de lutar, ao lado de outras mulheres e outros homens, para parar o avanço do rastilho que é voraz e impiedoso. Parece que o grande clarão de fogo afugenta as nuvens que trazem as águas. O som que ecoa em montes e vales ao longe, afasta as nuvens que, nos dias em que o pó se transforma em cinza, parecem perder a coragem de enfrentar o fumo que as substitui e acalmar o temor dos que veem a cor do medo e da impotência ao perto.

Quando o pó se transforma em cinza, de pouco vale resistir aos ruídos e ameaças do fogo que arde em fúria. Talvez se possam apaziguar as suas fúrias contendo o pó que dentro de nós se revolta. Todos seremos pó, um dia. Uns pó, outros cinzas. No final, o mesmo destino de uma carne nasce, que se torna adulta, que envelhece e desaparece no meio de tudo o resto que é pó, também. Uma gota de água que se misturaria com o pó. As coisas, no pó e na cinza, pouco sentido farão.

Este é um texto de desânimo, um texto de poucas palavras, em papel, de árvores que outrora eram verdes e davam alimento a todo um ecossistema. Não há muito que possamos dizer, olhando além daquilo que são os montes cobertos de negro. Uma manta feita de lã preta, com cheiro a fumo. Um cheiro que se entranha na pele e fica connosco dias e dias. Este é um texto de pó e de cinza, um olhar pelos olhos de quem perdeu tudo e vê ao longe as paredes de uma cal que já não é branca nem reflete a luz do sol.

Estas são palavras que não foram ditas por aqueles que, a muito sacrifício, deitam a força das águas sobre o fogo indomado, esperando que o pó que pisam e que lhes entranha no rosto, não se deixe substituir por cinza, por um cinzento e um negro que transporta consigo a cor da morte e do silêncio.

Não se ouve nada, além das últimas fagulhas de um sobreiro e da cortiça que ainda ardem, os pássaros que voaram pela vida e tão cedo não voltarão ao lugar onde apanharam as últimas sementes que ainda estavam nas árvores que ainda existiam, onde bicaram as últimas frutas que ainda deixavam que o Sol as beijasse. Não se ouve nada. Há só a cinza, que já foi pó e troncos, madeira e verde.

Hoje, em tantos e tantos hectares, o pó já não é pó e a cinza que o consumiu entranha-se na nossa pele e ultrapassa os nossos sentidos, deixando só uma dor que, esperamos, como o resto, desapareça e das gotas de água e desse pó, algo possa renascer.  

 

 

 

 

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