30 Novembro 2019      11:43

Está aqui

Perceves?

Agarrado à rocha mãe, sentia-se seguro. Ainda que a água por vezes batesse com mais força, Perceve percebia que ali estava seguro. Assim era e assim se sentia.

Nunca e fácil afastar-nos do lugar onde temos a segurança de que precisamos. Era o caso de Perceve. Rapaz dos seus quase vinte anos, Perceve da Silva Cruz Pereira entrou para a universidade. Tinha chumbado um ano no ciclo, por só pensar em brincadeira e não estudar como deve ser.

Ora, Perceve sabia que nessa altura era importante deixar a rocha mãe e lançar-se a outra cidade, outro ritmo de vida, coisas que nunca tinha vivido até aí. Na pequenina terriola de onde tinha vindo, estava agarrado à rocha mãe. Raramente tinha saído debaixo do conforto da sua zona de segurança.

Quando nasceu, o pai assim lhe chamou de Perceve pela longa história e paixão que tinha por perceves. Oriundos de uma região largamente produtora de perceves, pareceu em demasia apropriado chamar Perceve à pobre criança, que carregaria aquele nome por toda a sua vida, sem receber a compreensão dos colegas e amigos.

Não tinha a melhor semelhança com um perceve, nem percebia porque se chamava assim. A verdade é que no registo assim o inscreveram. Colocado em Faro, na Universidade, iria estudar Biologia Marinha. O mar e as criaturas que o habitam sempre fora a sua paixão, e poder perceber porque se chamava perceve como os perceves, seria certamente um desafio demais interessante.

Custava-lhe deixar a rocha mãe. Custava-lhe partir para o lado de lá do mar, ainda que entre o lugar de onde vinha só houvesse terra, até ao ligar para onde ia. Perceve também adorava perceves. Aquele gosto a mar... o cheiro típico, o sabor a sal.

Sentado à mesa com os pais, perguntou-lhes, porque não percebia porque lhe tinham chamado Perceve e não Percebe ou até mesmo Barnacle. Esticando mesmo, porque não lhe chamaram Pollicipes pollicipes? Pelo menos assim podia ter um nome fino, em Latim, mesmo que o significado fosse percebes. Não percebo, confesso. Nem ele percebia. A única pessoa que podia perceber era o seu pai, que assim o tinha registado.

Os amigos chamavam-no de Percy, o que lhe parecia muito bem e era com esse nome que ia entrar na universidade e tornar-se biólogo marinho, para estudar a vida dos primos crustáceos.

O pai e a mãe aceitam que se chamasse Percy e assim o passaram a tratar. Na Universidade, ainda agarrado à rocha mãe, Perceve passou a encarar as espécies marinhas de forma diferente. Embora já as conhecesse dessa forma próxima, passou a perceber que numa imensidão de água, na capacidade de respirar de diferentes formas, é sempre necessário manter a ligação à água que nos deixa sobreviver, é sempre necessário ter uma rocha mãe que seja o porto seguro onde qualquer crustáceo se agarrava.

Foram precisos quatro anos para que Perceve percebesse o seu nome e tudo o que há num nome.