13 Abril 2019      10:33

Está aqui

Outros tempos

Pirilimpimpau era um sítio no imaginário das pessoas que lá viviam, seja lá o que isso significa. Os habitantes de Pirilimpimpau eram os Pirilimpompeiros e tinham a particularidade de viver num lugar em que só se podia entrar e sair uma vez por ano, exatamente no mesmo dia, 13 de abril, que por acaso até é hoje.

O sítio ficava além das montanhas do campo alentejano e muito poucos eram os que tinham lá chegado. Pirilimpimpau era o segredo mais bem escondido do Alentejo e sinto-me privilegiado por ter podido aceder a esse lugar maravilhoso. Vou contar-vos essa história de um sítio onde se vivia noutros tempos.

Há precisamente dois anos atrás, fiz uma viagem pelos montes da serra de Ossa, com o meu Fiat 127. De repente, faz-se um nevoeiro tão cerrado que tive de parar o carro e esperar para ver o que aquilo havia de dar. Encostei na berma da estrada e não saí do carro. Ouvia uma música na rádio, de José Cid, a lenda de El Rei D. Sebastião e achei que aquilo era premonitório. Será que me ia aparecer o regressado?

Pouco tempo depois, o nevoeiro começou a desaparecer e tudo mudou. À minha frente não mais a serra mas um campo plano, cheio de flores às cores. As cores eram indefinidas e a estrada estava pavimentada com pequeninos paralelepípedos bancos e cinzentos. Era uma autêntica calçada portuguesa que leva a uma pequena povoação com telhados verdes e as paredes todas elas tinham hera e plantas a crescer. Não se via um único tijolo ou pedaço de parede. Era uma aldeia toda verde. À entrada, uma sebe indicava o nome da povoação – Pirilimpimpau.

Conduzi mais uns metros e estacionei o 127 no primeiro lugar que encontrei e decidi caminhar. Galinhas atravessavam a rua principal e cumprimentavam-me com bons dias. Ao início o meu cérebro parou e não sabia o que dizer. Como era possível que as galinhas me entendessem e que eu as entendesse. Falavam como um ser humano. Aquilo não podia estar a acontecer. Não era possível. As galinhas não falam nem têm dentes. Aquelas tinham e falavam.

Ainda não tinha visto uma única pessoa no caminho. A povoação parecia-me deserta. Continuei a caminhar até que cheguei à praça principal e lá encontrei toda a gente da aldeia. Eram pessoas muito estranhas, com orelhas enormes, olhos tão grandes como as orelhas e tinham quatro braços. Aproximei-me e ficou tudo em silêncio quando me viram.

Os seus olhos enormes e a sua fisiologia estranha impressionaram-me de forma tal que fiquei pasmado, qual estátua de mármore, a olhar para eles. Senti-me ameaçado perante o desconhecido. Um deles começou a falar comigo numa língua completamente incompreensível. Diziam-me todos ao mesmo tempo… glu glu glu glu glu. Pareciam perus. No fundo eram perus e eu um ser humano estranho num mundo onde só as galinhas me entendiam. Tudo era surreal.

Pirilimpimpau era um lugar estranho, como tantos lugares estranhos, dentro e fora de nós. Só não me reconhecia ali. Estava confuso e não sabia ainda que só poderia voltar ao meu Alentejo um ano depois, no mesmo dia. Desesperadamente, sem perceber a língua dos Pirilimpompeiros, virei-me para as galinhas e perguntei-lhes onde estava. Falámos durante horas, eu e um grupo de galinhas. Contaram-me tudo o que precisava saber.

Estava preso durante um ano naquele lugar, o que implicava aprender a língua dos habitantes para poder comunicar. Precisava arranjar lugar para viver. Precisava tanta coisa e nem sabia por onde começar. Felizmente, as galinhas ajudavam-me a cada passo e, com a sua ajuda, aprendi todas as línguas daquele mundo e montei um negócio de interpretação e tradução simultânea, com o qual lucrei durante o ano em que vivi neste universo paralelo.

Ao fim de um ano, chegou o dia de agarrar no Fiat 127 que entretanto ficou cheio de ervas e coberto de heras e esperei à saída da aldeia, olhando para o retrovisor, esperando que o nevoeiro cerrado chegasse e abrisse a porta da quinta dimensão. Quando aconteceu, caiu-me uma lágrima no canto do olho e lembrei-me das galinhas e das saudades que ia ter delas.  

 

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