26 Junho 2022      10:25

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Os Estado Unidos estão a abortar os Estados Unidos

Do mesmo país que se fundou nos mais elevados princípios democráticos e republicanos têm chegado notícias após notícias de como essa génese se está a destruir.

Aqueles para quem boa parte do mundo olhava como o país perfeito, o país a imitar, o berço do “sonho americano”, o paladino do progresso e da Liberdade, tem sofrido mais ataques internos que externos.

O partidarismo, o fanatismo, o sectarismo e o lobismo cego tem permitido que se continuem a vender armas indiscriminadamente.

Estudos – reciclados após o recente atentando numa escola primária do Texas – revelaram que, durante a pandemia, um em cada cinco norte-americanos comprou uma arma e que os EUA têm o maior número estimado de armas per capita, com 120,5 armas para cada 100 pessoas.

Mas se esta chaga na nação americana é já um assunto por demais debatido – em especial após atendados, sendo depois esquecido – esta sexta trouxe uma “chaga” mais recente a juntar a outra que foi a invasão do Capitólio no início de 2021: o Supremo Tribunal dos Estados Unidos acabou com o direito constitucional ao aborto no país, legal desde 1973.

Utilizando terminologia de acordo com o tema, antes que se apontem as armas a Biden, recordemos que os elos de ligação entre estas três “chagas” são o Partido Republicano e Donald Trump. Tem sido o Partido Republicano um dos maiores apoiantes da venda e do direito de acesso as armas (alegando constantemente a Segunda Emenda, de 1791, e que diz “direito do povo de manter e portar armas não deve ser violado” - obviamente, a cultura e a segurança à época seria outra que não agora, quando a insegurança é precisamente criada pelo excesso de posse de armas) e estão provadas ligações entre Trump (presidente republicano) e grupos invasores do Capitólio. Foi Trump quem nomeou 3 dos atuais Juízes do Supremo norte-americano onde, dos 9 juízes que o compõem, 6 foram nomeados pelos Republicanos e a última nomeação, a de Amey Coney Barrett aconteceu 26 dias antes das eleições.

Ora, foram precisamente estes seis juízes conservadores que votaram para acabar com o aborto nos EUA. Nas palavras da jornalista da Bloomberg Emma Kinery, num tweet, esta atitude significa uma “redução dos direitos das mulheres e do seu estatuto enquanto cidadãs livres e iguais“.

Um país onde existe pena de morte em 29 dos seus 50 Estados torna-se agora moralista com o aborto.

Em reação à decisão, Biden considerou este "um dia triste" para os Estados Unidos e apontou as consequências nocivas da mesma para "a vida e a saúde de milhões de mulheres” e que “as mulheres violadas serão obrigadas a ter bebés.”

O ex-presidente Obama disse que o Supremo Tribunal, com esta decisão, mais não fez que "atacar as liberdades fundamentais de milhões de mulheres americanas", no entanto, Mike Pence, um cristão evangélico, o braço direito de Trump na sua passagem pela Casa Branca, escreveu no Twitter que "Ao remeter a questão do aborto para os Estados e para o povo, o Supremo Tribunal reparou um erro histórico".

A decisão do Supremo norte-americano compete pelo prémio da “mais estúpida dos últimos tempos” com mais uma tirada de Bolsonaro, esta semana, ao dizer que o aborto de uma menina de 11 anos vítima de violação "é inadmissível".

Dizia Saramago que “para se ver a ilha é preciso sair da ilha”. No caso dos EUA é exatamente o que se passa: não veem além do seu umbigo e bolso. São aqueles que alegam ser os mais patriotas, os mais americanos, os “puros”, que estão a cometer os maiores atentados à génese de criação do próprio país e até ao seu papel e imagem no mundo; são eles que estão a fazer os Estado Unidos abortar os Estados Unidos.

 

 

Imagem de Street Art de Tumblr