24 Fevereiro 2018      12:50

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OPORTUNIDADES

Coisa que não faltava eram oportunidades. Coisa que perdurava no tempo e era falada nos corredores eram oportunidades. Oportunidades de mudar de vida, oportunidades de emprego, oportunidades de carreira, oportunidades de não fazer nada, janela de oportunidades. Tantas, tantas.

Eram tantas as oportunidades como as cerejas que estavam dentro do cesto da mulher que estava sentada na esquina. Nada havia no cesto a não ser cerejas, daquelas gordas e doces. Era uma ótima oportunidade. A senhora estava a vender a 150 escudos por quilo. Com isto fiquei com água na boca, a pensar nas cerejas. Quem me dera começar e devorar as cerejas. Já se sabe como é, uma puxa outra. Isso e a conversa. E, por falar em conversa, aqui se começa a contar o porquê de chamar oportunidades ao texto desta semana.

Isto passou-se comigo numa outra vida. Vivia eu na pele de um cobrador de impostos. Aposto que agora pensaram que ia dizer que era a senhora que estava a vender cerejas? Verdade que também pensei nisso mas seria demasiado óbvio. Era o marido dela! Ah ah! Não tão óbvio mas lá perto. Outra questão que se coloca e desperta a curiosidade é a seguinte. Ora, como sabe o senhor narrador que era um cobrador de impostos numa outra vida? Estas coisas não são assim. De facto, quando comecei a escrever isto fi-lo com a intenção de partilhar convosco esta experiência sobrenatural e pareceu-me a melhor oportunidade.

Sonhei, ontem à noite, com este evento. A dormir, acordei num outro corpo, cheio de comichão com percevejos à minha volta, num colchão de barbas de milho. Uma coisa péssima. Nessa noite não tinha dormido em casa. A minha mulher depois da nossa discussão à conta das sopas, deu-me com as cerejas na cabeça e o cesto. Ainda consegui comer umas quatro mas não mais do que isso. E decidi, por isso, a bem do casal, dormir na arramada (para quem não sabe a arramada era o sítio onde dormiam os animais e onde eu tinha um colchão, daí ter dormido no colchão e os percevejos.) A minha mulher era asseada e em casa não havia bichos. Tirando uma barata ou outra e um ratinho do campo.

Assim, acordei de manhã, e com o mau humor com que acordei e maus-fígados do álcool consumido na noite anterior, decidi agarrar a oportunidade e abandonar a minha mulher. Também já não estava para ser cobrador de impostos muito mais tempo. Eu gostava que as pessoas gostassem de mim e, sendo cobrador de impostos era pior que aqueles do Robin dos Bosques. Era uma maçada. Todos os dias era insultado e ninguém podia comigo. Vi aqui uma janela de oportunidades. Agarrei-a. Essa e a janela que levei comigo e o cavalo também.

É importante tomar decisões. Nessa manhã tomei várias. Primeira, deixar a mulher e a catrefada de filhos que tinha. Não é justo, nem correto, bem sei. Segunda, deixar a profissão que nem de longe nem de perto era também correta e o preço que me pagavam era demasiadamente injusto. Terceira, emigrar. E emigrar para onde? Ora aí está. Onde é a terra das oportunidades? Pois é. Estados Unidos. Naquela altura havia barcos que traziam as pessoas. Cheguei ao Porto mesmo a tempo e à entrada perguntei ao vendedor de bilhetes, cuja cara me era familiar, qual era o barco. Na altura não me lembrei bem de onde. Só muito tempo depois me recordei e aí já era tarde.

O homem que me indicou era nem mais nem menos que o Manuel das Filhozes a quem eu tinha rapinado os lucros todos e que coitado teve de fugir da aldeia e tornou-se vendedor de bilhetes no porto. O desgraçado, que outro nome não lhe posso chamar, guardou ressentimento e enviou-me para o barco que ia para uma ilha num sítio que era assim longe de tudo e onde não havia nada. O desterro, portanto. E pensarão os senhores que foi merecido. Foi. Talvez tenha sido. Um pouco, mas mesmo assim acho extremamente injusto. É a minha opinião pessoal.

Lá vivi até aos meus últimos dias. Não cobrava impostos a ninguém. Também não havia ninguém para cobrar. Foi esta a minha história, uma história de oportunidades, falhadas.

Regressado dessa regressão a uma vida passada, tomei como aviso e fui às finanças pagar o IMI, era um prenúncio, achei eu. Era o último dia. A última oportunidade. Fui.

Imagem de capa de accionesdebolsa.com