19 Março 2022      15:53

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Olaria de Redondo - o testemunho do mais antigo oleiro da terra

Seguimos a nossa jornada pela cultura alentejana, voltando à encantadora vila de Redondo. Berço de grandes mestres oleiros e um importante centro da olaria tradicional alentejana.

Desde tempos remotos, o fabrico e uso de peças de barro, para uso diversificado, desempenhou um papel preponderante na vida quotidiana e económica da região. S. Pedro do Corval, Flôr da Rosa, Nisa, Estremoz, Viana do Alentejo e Redondo, são territórios historicamente marcados pela arte de moldar o barro.

Voltemos a Redondo e à sua peculiaridade nesta arte, prometendo para uma oportunidade mais atenta, uma abordagem aos restantes centros oleiros do Alentejo.

A mais antiga referência à olaria nesta vila remonta ao século XVI, constando do foral outorgado por D. Manuel em 1516. 1 Por sua vez, na década de 40 do século passado, existiam em Redondo perto de 50 olarias. O que, atesta bem, a importância e prestígio deste centro oleiro.

Já sem o fulgor de outrora, esta tradição representa um saber ímpar ao qual poucas mãos têm conseguido manter a sua produção viva. Das que ainda resistem, salientamos as de João Mértola, o mestre Pintassilgo, como assim é conhecido por aquelas bandas. Figura ímpar e carismática, de sorriso fácil e magano (brincalhão), tal como combinado umas semanas antes, lá estava sentado, aguardando a minha presença. E foi em pleno centro histórico, na Rua do Castelo, com o seu sotaque

tipicamente redondeiro que me recebeu para uma tardada de conversa na sua tradicional olaria. Com 92 anos, é o mais antigo oleiro no ativo em Redondo. Mal me sentara, fez logo questão de iniciar a cavaqueira dizendo: “Pxiu, sabes porque me chamam Pintassilgo? Porque era muito ensigueirado com pássaros”! Que é como quem diz, gostava muito de pássaros. Como tantos outros oleiros no seu tempo, João Mértola iniciou o ofício aos 7 anos, aprendendo com “velhotes” que, segundo ele, eram grandes mestres. “Escuta, andei perto de 20 anos sem receber nada pelo trabalho, com as algibêras vazias (bolsos vazios) ”. Mestre Pintasssilgo teve ainda a referência do seu pai, também ele mestre oleiro e aos 50 anos começou finalmente a trabalhar por conta própria.

Os tempos mudaram e atualmente há cada vez menos jovens com vontade e motivação para aprender: “Chegam-me aí com os gaiatos a perguntar se os posso ensinar. Digo sempre que sim mas depois querem que eu lhes pague. Chibati (arre)!

Não pode ser! Depois abalam”. Numa combinação entre sorriso e preocupação refere que a Câmara deveria intervir e auxiliar financeiramente.

Hoje em dia trabalha sozinho: “Já não dou à conta para pagar aos empregados.

Andou aí uma rapariga a pintar mas depois abalou. Olha, até o barro vem de Barcelona, temos aí uma propriedade para o ir buscar mas somos muito malandros (muito se ria), mais vale comprá-lo.”

Com ar de satisfação e orgulho, João Mértola refere que a sua loiça é diferente da dos outros oleiros. Que tudo vem da sua cabeça sem recurso a grandes métodos nem papel. Os tempos mudam e a funcionalidade das suas peças tiveram inevitavelmente que se adaptar: “Antigamente fazia alguidares. Usavam-se muito na altura da matança dos bacros (porcos). Fazia cântaros, barris, tarefas para a azeitona e bilhas para a água. Até penicos! Agora só faço os pratos, travessas, púcaros, panelas e bonecos. Vai-te lá assomar (espreitar) ali dentro que também tenho outras coisas que faço.” Inevitável foi a forma como se aborrecia ao enumerar as causas para o declínio da produção de barro: “O plástico matou a Olaria! A moenga dos chineses quando aqui entra a querer tirar fotografias, mando-os logo para o fresco (para a rua)! Vêm para aqui tirar as ideias para fazer loiça barata decerto. E não compram nada. Fresco!”.

A conversa ia longa, e já bem perto do fim, com saudade, lembrou as inúmeras exposições onde se deslocou: “Epah, a Berlim foi a terra mais longe onde fui. Bela terra. Muita gente. Aquilo é que era!”.

Ficou muito por conversar, muito mais por escrever e tanto a lembrar. João Mértola, o mestre Pintassilgo, foi sem dúvida dos indivíduos mais incríveis que conheci. Genuíno e de língua afiada é, sem dúvida, um dos estandartes da cultura alentejana.

Visitem Redondo, a Olaria de João Mértola e o Museu do Barro, onde ficarão a conhecer a essência, a história e o espólio de um dos maiores centros oleiros do Alentejo.

 

1 Consultado em: https://www.mundoportugues.pt/2019/06/08/museu-do-barro-de-redondo-e-uma...