21 Maio 2019      13:53

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Odemira: quatro mulheres revolucionam a criação contemporânea para flauta

Eis a música ao feminino, com toda a energia criativa. A pacata aldeia de S. Martinho das Amoreiras, na zona serrana de Odemira, entre o Alentejo e o Algarve, abre as portas da sua bela igreja, no próximo sábado, dia 25, às 21:30, para acolher algo inédito em Portugal: o concerto de um quarteto de flautas travessas que revela, sem esquivar declinações do jazz, um programa de música contemporânea muito pouco conhecido, incluindo peças de Espanha, do Brasil, da Argentina e, até, dos Estados Unidos.

Duas flautistas são espanholas, da Andaluzia e de Madrid, outra é brasileira e outra ainda é argentina; acompanha-os um percussionista também andaluz. Esta viagem musical global amplia os horizontes do Terras sem Sombra, em 2019, pela América do Sul, pelos ritmos flamencos e pelos olhares sugeridos por Michel Camillo, numa terra fortemente musical onde se mantêm, com orgulho, as essências do Canto ao Baldão e da viola campaniça.

A tarde do dia 25, a partir das 15:00, vai ser dedicada ao património arqueológico, à história e à biodiversidade da Serra da Vigia, famosa pela abundância de fontes e mananciais e pela abertura a panoramas de cortar a respiração. Aqui nascem os rios Mira e Sado. Um bom pretexto para conhecer as alcôncaras e outros doces e iguarias locais, provar a "melhor aguardente de medronho do mundo" e partilhar experiências de vida.

Remontando à época das grandes navegações, quando o homem europeu decidiu arriscar, por mares então desconhecidos, através de novas rotas, em busca de especiarias e outros produtos vindos das Índias, Quartetazzo apresenta uma mostra de uma possível viagem, que podemos denominar histórico-afectiva, para não dizer também emotiva. A própria formação do ensemble evoca um recorte do que foram as consequências deste feito.

Trata-se de um dispositivo formado por quatro mulheres. São todas flautistas, com formações completamente diferentes, ainda que tendo algo em comum: o Flamenco. Aliás, o seu primeiro encontro deu-se exactamente em Sanlúcar de Barrameda, lugar de onde saiu a primeira expedição de Magalhães e Elcano, durante uma iniciativa do grande flautista flamenco Jorge Pardo. Neste encontro, puderam dar-se conta da pequena jóia que tinham em mãos: quatro mulheres fortes, cheias de histórias para contar através das suas músicas e vivências.

Nasceu, assim, o grupo, qual mar de memórias e criações. O flamenco é algo que Emilse Barlatay, Trinidad Jiménez, Letícia Malvares e Carmen Vela têm em comum; no entanto, após um ano de existência, tornou-se mais do que evidente a vocação universal de Quartetazzo. Todas as cores deste grupo são representadas pelos estilos trabalhados por ele, que se identificam notoriamente com o lugar de procedência de cada uma das suas componentes. Para S. Martinho, escolheram um programa único, adequado ao espírito do lugar, que é bem revelador das actuais tendências da música contemporânea, de um e de outro lado do Atlântico. Para os artistas, este resume-se a um charco.

A Montanha Mágica: História e Histórias de S. Martinho das Amoreiras

Ensombrado pela massa altaneira da vizinha Serra de Monchique, o cordão montanhoso da Serra da Vigia, muitas vezes dito Serra de São Martinho, foi frequentemente tomado por uma ramificação daquela, intrigando há muito os investigadores. O Terras sem Sombra vai explorá-lo, sob a orientação dos arqueólogos Virgílio Hipólito Correia e Jorge Vilhena, do historiador António Martins Quaresma e do guia Rudolf Muller, da Rota Vicentina.

Uma velha estrada, que a atravessava, suscitou o interesse do poder régio, dando origem a grandes obras, na segunda metade do século XVIII. De São Martinho/Vale Brique, subia a Vale d’El Rei, a Geraldo, a Boa Mulher e a Pero Galego; descia depois, por Corte Brique, a Santa Clara e Sabóia, antes de se abalançar, de novo, à serra, desta vez a verdadeira de Monchique.

Charles Bonnet, em 1851, chamou-lhe serra do Caldeirão, acolhendo, decerto, um topónimo há muito existente. Isto haveria de causar confusões com a serra do Caldeirão ou Mu. Um século depois, o geógrafo Mariano Feio, baseando-se no nome da sua maior elevação, designou-a por serra da Vigia, e nos nossos dias assim frequentemente é denominada.

Os seus mistérios estão hoje, pouco a pouco, relutantemente, a emergir. Destaca-se, aqui, a necrópole do Pardieiro, monumento funerário da 1.ª Idade do Ferro, há aproximadamente 2500 anos, onde foram achados grãos de cevada tostada. Isto corresponde a um processo que se destinaria a conservar o grão e/ou a produzir malte para cerveja antiga (“cervoise”, um líquido fermentado espesso antecessor da atual cerveja), bebida muito apreciada nessa época remota.

 

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