17 Março 2018      10:59

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O unicórnio que falava a rimar

As palavras, quando juntam as letras e se formam no ar, são invisíveis. Pairam no ar até que alguém lhes lance as orelhas e as apanhe. Aí transformam-se numa coisa com sentido e causam as mais estranhas sensações ou emoções. Assim era no planeta dos unicórnios. Nem sempre é assim no nosso. Umas vezes ouvimos e damos significado, outras vezes, não ouvimos ou não queremos ouvir. Ah, tantas vezes é assim. Tantas vezes as palavras têm efeitos nocivos e tantas vezes têm efeitos deslumbrantes. Podem ser palavras de ódio e palavras de amor. Podem ser palavras secas e palavras húmidas. Podem ser palavras amargas e palavras doces. Podem ser tanta coisa e, infelizmente, tantas vezes são nada.

Assim era no planeta dos unicórnios. São diferentes de nós. Falam por telepatia e não apanham as palavras com as orelhas. Apanham com o corno. No nosso caso, não sei se alguma vez repararam ou pensaram sobre o assunto. Por acaso, no meu caso, já algumas vezes me indaguei por que razão temos as orelhas salientes. Deduzi e continuo a deduzir que se tratam de grandes funis, uns maiores que outros, destinados a apanhar as palavras. Por isso ouço e por isso ouvimos. Quando essas mesmas palavras passam a escrito, bem, nesse caso, abrimos e fechamos os olhos e ajeitamos a retina para as perceber melhor.

Volte-se ao unicórnio que é dele que falamos hoje. Vivia num planeta distante e, embora falassem nele neste nosso, nunca ninguém o tinha visto ao vivo. Alguns reclamavam ter visto, outros descreviam-no claramente, mas as formas e os métodos com que o faziam seria outra história. O Unicórnio vivia num planeta de montanhas e nuvens. Chamava-se Tiliri-tiliró e era novinho. Vivia sozinho numa montanha.

A montanha do Tiliri-tiliró era uma montanha muito grande. Tão alta, tão alta que quem estava lá em cima conseguia ver as nuvens pequeninas cá em baixo. Não chovia lá muitas vezes e também não dava para andar em manga curta devido às temperaturas. Era uma montanha mesmo grande, enorme. Tão grande como outras montanhas mas essas não ficavam perto. Ficavam num sítio tão distante que só se conseguiam ver com binóculos e, dado que só lá viviam unicórnios nesse planeta, ninguém a conhecia.

Figura interessante o Tiliri-tiliró. Era baixinho e tinha um corno no meio da testa. Era branco, pêlo macio e brilhante, tinha uns olhos pequeninos que ficavam ainda mais pequenos quando olhava para as outras montanhas ou bebia água das chuvas. Havia algo inebriante na água da chuva, talvez. Ou poderia ser devido ao facto de a montanha ser tão alta, tão alta que o oxigénio rareava. O unicórnio era feliz. Não tinha telemóvel nem redes sociais, mas através da telepatia conseguia chegar aos outros unicórnios que viviam nas outras montanhas, também elas tão altas. Era tudo em altura neste planeta. Continuemos com a descrição do Tiliri-tiliró, sobre as orelhas, não eram muito grandes, eram pequeninas. Não faziam falta. Não havia ninguém que estivesse perto dele. Tinha também umas pernas das cores do arco-íris, grandes, longas, bem, isto é, proporcionais ao tamanho do unicórnio.

Tiliri-tiliró falava a rimar. Falava sozinho, isso é verdade, mas mesmo assim falava. Chegava a mensagem aos outros por telepatia. À montanha mais a norte lá chegava a rima ao Toliro-toliri, primo afastado, e era em rima emparelhada, sonetos, à irmã mais nova, na montanha sul, rima interpolada em quadras. E eram todos felizes, ou quase todos. Tilirita-ritalita era a irmã mais nova. Adorava maquilhagem e tinha as patas em arco-íris. Devia estar na altura da adolescência e era rebelde. Também falava a rimar. A título de exemplo, às vezes dizia ao irmão Tiliri-tiliró, “olha maninho, estou aborrecida, vivo só no topo desta prisão, não tenho nem água nem pão, que desterro, que triste vida” ao que o irmão lhe respondia, de forma cruzada “oh maninha querida e inconformada, também eu estou sozinho, também eu tenho uma vida sem nada, mas estou feliz como um cavalinho”.

O primo também respondia, mas é melhor não dizer o que dizia. A irmã, era, de facto, inconformada e muitas vezes fugia, durante a noite no planeta, quando todos dormiam. Passava no planeta Terra, deixando um brilho no céu e, diz-se até que, quando se vê o arco-íris, ele aparece cada vez que ela passa pelo nosso planeta. O irmão nunca soube do que sucedia e, um dia, a rebeldia passou-lhe, quando se apaixonou por um cavalo na terra.

Muito poucos sabem da existência dos unicórnios, especialmente dos que falam a rimar. Eu sei e contei-vos mas não me perguntem como sei. Isso e as fugas da Tilirita-ritalita são segredo.    

 

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