29 Agosto 2020      13:21

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O Rei

Há muitos anos, muitos anos mesmo, quando o mundo não conhecia repúblicas e as democracias já tinham acabado pois a história de hoje já aconteceu um bocado além da antiga Grécia.

O que vos relato aconteceu na Idade Média e é uma crónica fiel dos acontecimentos. Para melhor se compreender a história, vejamos as coisas desta forma:

 

Ingredientes:

1 pavão real;

3 águias de Bonelli;

4 faisões;

1 hamster;

1 catatua;

3 ratos;

5 casas de campónios;

1 palácio real;

1 tesoura de cortar asas;

1 faca de cozinha;

1 assador;

5 garrafas de vinho tinto;

3 alhos;

1 folha de louro;

1 piri-piri;

Sal qb;

1 pitada de sonífero;

2 sacas de carvão.

 

Receita (ou história, como lhe quiser chamar):

Num reino muito longínquo, havia 1 palácio real, onde reinava um faisão muito muito velho que estava quase a morrer e não tinha descendentes. Ao lado desse palácio real, havia 5 casas de campónios, todas elas habitadas pelos animais citados. Os ratos viviam numa e serviam no palácio, os faisões que não eram da família real, viviam em outra casa de campónios, mas eram bastardos e por isso, pobres.

Havia ainda mais umas casas habitadas, a da catatua, que vivia numa casa abastada, embora fosse ainda considerada de campónio. Mas por dentro, tudo o que lá havia, era do melhor... nobre ou pretensioso. A Catatua chamava-se Cataplana. Isto porque era uma Catatua e era nascida numa terra plana, sem montanhas. Veio para ali quando era pequenina e ali viveu. Desde sempre, amarga e tentando subir na vida. Cataplana era uma lindíssima catatua. Branca como a neve, Cataplana cresceu para ser uma pássara de objetivos.

Mas falta a nossa receita. Então, vamos lá. Misturam-se estas casas todas e constrói-se uma vila, com um palácio real e campónios que trabalhem para os nobres. Era mais ou menos assim na época em que se passa a nossa narrativa.

Deixemos um faisão ser enterrado em vinha de alho, e considerando que era rei, arranjemos um substituto. Ninguém melhor do que o primo segundo, Peacock, pavão real, rapagão solteiro, cavalheiro mas vaidosão. O mais vaidoso de todos os ingredientes. As suas penas lindíssima, reais, dignas, faziam dele um rei que poderia ser cabeça de cartaz em qualquer peça da Broadway. Mas, para o resto, faltavam-lhe alguns ingredientes.

Entre eles, que os ratos trabalhassem os campos, que as águias de Bonelli mantivessem a guarda do palácio e que os bastardos que eram faisões e caçadores natos, não o traíssem. Isto dá muito trabalho gerir.

Então, no dia da coroação, da grande tomada de posse de Peacock, o rei pôs a sua coroa de penas... e que lindas eram! Imaginem um pavão de penas abertas para mostrar a todos que aquele era o seu trono. E verdadeiramente era, ou devia ser.

Porém, o tempo tudo muda e nem sempre as coisas correm como os contos de fadas. Esta receita, perdão, história, decorreu mesmo assim. Mal, muito mal. Nos dias que se seguiram à coroação, Peacock cometeu erros cruciais no seu reinado. Devia saber melhor. Um rei esperto deve saber quem são os seus inimigos. E neste caso, não havia um único aliado do pavão. A população toda detestava o poder, mas ninguém teria coragem de enfrentar o mesmo. Só as águias e os faisões seriam os guerreiros mas esses não queriam perder o poder. Poderiam fazer parte de um esquema mas nunca dar a cara. Isto acontece. Acontecia na época desta história e ainda acontece hoje.

Peacock nomeou um primeiro ministro. Faisão, claro. Bicho de confiança, que ele achava que era. Porém, no final da receita, veremos que não foi bem assim.

Misturemos agora a catatua Cataplana na narrativa. Um belo dia, a linda decidiu ir ao palácio seduzir o Peacock... a sua entrada no palácio foi fenomenal. De vestido branco, a catatua parecia que tinha uma coroa amarela. Peacock estava embevecido com a imagem gloriosa daquela mulher que entrava no palácio. Lá vem outra história de amor... pois é. Trágica que esta vai ser. Nem imagina.

Juntemos a casa de Cataplana, um rei pavão apaixonado e completamente embevecido pela linda catatua. Misturemos um jantar feito de ervas aromáticas... vinho, louro, alhos e sal quanto baste. Pavão não sabia ainda mas seria parte do jantar mas não o convidado principal. Cataplana ofereceu-lhe alguns aperitivos, deixou que o seu convidado relaxasse e, quando este dormia profundamente, após se sentir embriagado após beber um copo de vinho, cortou-lhe as asas e depenou-o até ao íntimo da sua alma.

Peacock estava morto! O rei morreu, viva a rainha! Cataplana tomou o trono após fazer um churrasco (fantástico tempero) com o rei deposto. Para isso, gastaram duas sacas de carvão e foi preciso um assador.

Cataplana tornou-se rainha, aliada a todos os traidores. O jantar foi ótimo, por acaso, não nos podemos queixar. E, porque nenhum dos outros pássaros queriam estar naquele lugar, todos se calaram.

Cataplana reinou anos e anos, com o terror de um assador e uma saca de carvão, além dos temperos. Todos a temiam! Morreu tirana, assassinada por um rato que a mordeu com a peste bubónica.

E onde anda o hamster? Talvez o próximo rei?

O próximo rei, esse foi escolhido por vontade popular, como uma democracia. O tipo que trabalhava num moinho de água, rodando a roda. Isso mesmo, aqui entra o hamster! O rei Roda! Rei que viu tudo e continua a manter o mundo a mover!