8 Maio 2021      09:53

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O reencontro

Todos os dias à mesma hora, durante anos, encontravam-se às escondidas num beco insuspeito. Viviam ambas na cidade mais populosa do mundo e sempre ali tinham vivido.

Durante todos esses anos em que se encontravam, pontualmente, à mesma hora naquele lugar, sabiam que a vida é etérea e tantas vezes incerta e fugaz. Essa consciência levava-os a manterem esse ritual. O encontro diário era importante. Nunca durava mais do que 15 a 20 minutos, mas era intenso, de partilha, de segredo.

Aquilo que ali acontecia, não sairia dali. Tinham disso plena consciência. Aquele beco escuro era como se fosse a sua segunda casa, tantas vezes a primeira até, diria eu. Fora dali, tinham as suas vidas. Ali tinham uma segunda vida. Normalmente, os encontros tinham lugar às escuras, a situação assim o exigia.

No entanto, a vida nem sempre é justa e as coisas alteraram-se de um dia para o outro. Aquilo que era um dado adquirido, o seu segredo, desmoronou-se quando um deles se mudou, com a família para outra cidade, próxima mas menos populosa.

Ele foi embora. Ela continuou na cidade populosa e todos os dias ia àquele sítio, esperando que naquele dia ele aparecesse… durante anos lá foi, sem falhar um dia. Durante esses anos, ele não apareceu. A possibilidade de um reencontro parecia irrisória.

Ao fim de uns tempos, cansada e sem esperança, passou a lá ir semanalmente. Por vezes, é melhor assumir que não há nada além do que passou, no futuro, a não ser a memória. Ela tinha memória da partilha, desses dias, do segredo. Ele também tinha e pensava nela em todos os momentos, naquela cidade onde estava.

De novo, as coisas mudam e ele, num rasgo de impulsividade, deixou tudo para trás e fugiu para a cidade grande! O primeiro lugar onde foi, foi precisamente o beco, que era o sítio de onde tinha melhores memórias. Esperava encontrá-la e reviver o passado. Seria o reencontro.

Chegou ao lugar à mesma hora, mas ela não estava lá, nem sinal da sua presença. Nesse dia, ela tinha falhado. Desapontado, pensou nos seus atos e no que tinha feito, mostrando algum sinal de arrependimento. Mas não o demoveu. No dia seguinte voltaria e todos os dias esperaria por ela. Ao fim de uma semana, sentiu um movimento e, olhando para o lado, lá estava ela, tão surpresa quanto ele, concretizando aquele reencontro!

Finalmente acontecera. Os dois gatos podiam finalmente poder vasculhar de novo os restos do restaurante chinês que ali ficava! Durante anos, os gatos de classe alta, tinham fugido do seu luxo para se deliciarem com o cheiro de peixe podre e noodles. Agora podiam voltar a fazê-lo, todos os dias à mesma hora.