23 Julho 2022      13:17

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O peixe da ribeira

Qual é a diferença que existe entre nós? Como podemos marcar a diferença entre o que é igual? Qual a possibilidade de algo absolutamente idêntico ser diferente? Serão os pequenos pormenores da similitude a acentuar a grandeza da pequena diferença?

A água não passa duas vezes pelo mesmo

lugar. Estou certo que já ouviram antes esta ideia. É possível que discordemos pois com os aquários e aquelas inovações que criam fontes e riachos fictícios, as realidades e as verdades absolutas neste âmbito tendem a adaptar-se.

Que diferença existe entre uma ribeira verdadeira e uma criação humana que aprisiona as espécies, fazendo crer que vivem num espaço enorme e livre, onde os homens não os controlam? Que rio corre mais veloz onde se possa viver livre, mas ter um lugar fixo para se poder estar?

A vida de aquário é monótona e a vida de peixe que viva num ambiente recriado à semelhança de uma ribeira verdadeira, é igualmente tão diferente na sua tentativa de semelhança.

Nisto pensava o pargo, cansado de viver numa ribeira. Não sei até que ponto os peixes detêm essa capacidade de dissertar ou pensar sobre as questões essenciais que nos ocupam a vida, sejam elas a diferença ou a igualdade. Este pargo, peixe da ribeira, sabia exatamente colocar a si próprio as questões essenciais de qualquer peixe, habitante de uma ribeira.

Nascido ali na serra, na ribeira da Azilheira, abaixo do pego escuro, os dois anos. De subidas e descidas já o tinham ensinado a descer e subir, dentro das possibilidades, abaixo e acima.

O grande problema para o pargo que pensava era a diferença entre o inverno e o verão, no primeiro, subia e descia a ribeira como um campeão de fórmula 1.

No verão, escondia-se no fundo do pego, atrás de uma rocha, a ver se não acabava num aquário familiar, atração turística, ou numa caldeirada de peixe da ribeira.

Porém, foi mesmo nesse verão que o seu destino cumpriu a fatalidade que lhe estava cometida desde o início. Peixe, pargo, da ribeira, acabaria refogado entre cebola, azeite, tomate, alho e sal, sem contar com as ervas aromáticas.

Encurralado num pego, a água escasseava ali como em todo o lado. Encurralado num espaço mínimo onde quase mal conseguia respirar, como tantas vezes sentimos, pargo, o peixe da ribeira, encontrava poucas soluções para um problema.

Tentara, sempre, desde que começara a pensar, que a sua vida seria diferente, para ser igual à de todos.

O tempo aquecia, as temperaturas subiam cada dia mais e pargo, o peixe da ribeira, sentia que talvez a sua diferença não fosse suficiente para ser igual a todos os sobreviventes do calor.

O peixe pensava qual era a solução, penso eu que pensasse isso mesmo. Nada me garante que assim seria pois pouco conheço acerca do que se passa na cabeça dos peixes, muito menos dos da ribeira.

Entre ser completamente coerente na sua postura de peixe que aguenta o verão, sabendo que o inverno trará a autoestrada, há momentos em que será preciso decidir iludir o inimigo e passar a fazer parte da sua rede, como infiltrado.

Assim sucedeu! Logo que o pego se secou e o pargo percebeu que nada mais lhe oferecia, fingiu-se de peixe defunto, quando os pescadores recolhiam espécimens para as diferentes experiências que eram iguais entre si.

Pargo, o peixe da ribeira, salvou a vida. O pego secou poucos dias depois e ele continua a viver num local que é diferente mas que continua a ser igual…