11 Outubro 2016      15:19

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O PASSADO PRESENTE NO FUTURO

Em tempos longínquos, o nosso país era de tal forma abundante em vegetação que conseguiríamos percorrer a distância que separa o Algarve do Minho, caminhando sobre as copas das árvores, sem nunca tocar no chão…

Nessa época, eram as árvores do género Quercus, como os carvalhos, os sobreiros e as azinheiras, que dominavam as paisagens. A mata mediterrânica, designação atribuída ao coberto vegetal que revestia Portugal, tinha também outras espécies, que entrelaçavam cores e odores, como o medronheiro, o loureiro, a urze, a giesta e arbustos mais pequenos como o alecrim, a alfazema e o tomilho.

As espécies típicas da mata mediterrânica são autóctones do nosso país, ou seja, apesar de ocorrerem noutros locais do planeta são espécies que crescem espontaneamente em Portugal sem terem sido introduzidas pelo Homem.

Ao longo da História, a paisagem do nosso país sofreu profundas mudanças consequentes da ocupação humana. A desflorestação começou pela necessidade da criação de campos agrícolas e de pastoreio que serviram as populações, sempre em crescimento. Uma das maiores estropiações perpetradas na nossa floresta original ocorreu na altura dos Descobrimentos, quando o uso de madeira para construção de embarcações despiu os solos nacionais. Calcula-se que terão sido derrubados mais de cinco milhões de carvalhos. As ulteriores políticas, que fomentaram a criação de monoculturas (de pinheiro e de eucaliptos), também contribuíram fortemente para a diminuição da biodiversidade que caracteriza a mata mediterrânica.

Estamos longe de uma floresta dominada por Quercus, como era no passado. Atualmente é o eucalipto, uma espécie exótica (trazida da Austrália), que preenche a maior mancha florestal do nosso país.

A floresta autóctone tem vindo a ser apagada das nossas paisagens…

Deixar esbater a nossa floresta natural é deixar esmorecer a nossa capacidade de valorizar os recursos naturais endógenos pois a floresta consubstancia cada um dos três pilares do desenvolvimento: Economia, Sociedade e Ambiente. Gera emprego e riqueza associados aos seus produtos (mel, madeira, cortiça…) e usos (caça, turismo), alberga e suporta uma enorme biodiversidade faunística, confere-nos identidade cultural. Acrescentados devem ser os serviços ecológicos prestados pelas florestas: o sequestro de carbono, a proteção do solo, a regulação da qualidade da água e do ciclo hídrico.

A floresta é, de facto, fundamental, não se reduzindo à trilogia papel-cortiça-madeira. Há uma panóplia de utilizações dos seus produtos para muitas comunidades que ainda persistem nos meios rurais e para quem a elas se queira juntar.

O medronheiro (Arbutus unedo) é uma das plantas da mata mediterrânica que tem resistido aos malogros sofridos pelas nossas espécies autóctones.

Floresce no Outono ou no princípio do Inverno vestindo-se de uma beleza invulgar. O medronheiro tem flores e frutos simultaneamente. Os frutos têm um período de amadurecimento de um ano. Desta forma, o verde brilhante das folhas é salpicado pelo branco das flores. Os frutos, policromáticos, de acordo com a sua maturação, enfeitam as copas de verde amarelo e vermelho.

Esta espécie é, atualmente, objeto de estudos e de projetos de melhoramento que perspetivam a polivalência da sua exploração. Madeira, mel, compotas, geleias são alguns dos produtos do medronheiro com reconhecido potencial. A joia da coroa é, no entanto, a aguardente de medronho.

A região sul de Portugal revela uma forte aspiração em produzir, com qualidade, esta bebida única. Nos últimos anos, produtores, investigadores, técnicos e associações locais tem apostado em trabalhar em conjunto de forma a contribuir cada vez mais para o conhecimento deste produto e do seu processo produtivo.

Para melhorar a qualidade da aguardente de medronho, tem sido especialmente dedicada atenção à qualidade da matéria-prima (através do cultivo de clones dos medronheiros com propriedades excecionais) e ao aperfeiçoamento da fase fermentativa do processo.

As exigências da nossa contemporaneidade não se compadecem com práticas ancestrais pouco profícuas. Temos que conseguir conduzir o nosso património natural e as nossas tradições, reinventadas, a um nível robusto e singular.

Consigamos, com sabedoria, manter o passado presente no futuro.

Imagem de capa de Patrick Gruban