12 Novembro 2016      08:42

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O MISTÉRIO DO GRILO QUE NÃO FAZIA BARULHO

"PARALELO 39N"

Encontraram-se perto da meia-noite, junto do aquário, atrás do parque da cidade, às escuras para não dar muito nas vistas em relação ao propósito do seu encontro. Não, não era nada disso que estão já a pensar. Não se iam encontrar para conspirar nem para fazer poucas vergonhas. Isso não era história para ser contada aqui, nem haveria tempo de desenvolver todo o enredo… só eles sabiam o que se poderia dizer… Nas mãos, lanternas a pilhas, na cabeça, gorro e cachecol a tapar a cabeça. Iam preparados para qualquer eventualidade.

No outro lado, perto do aquário, um pequeno lado, onde se viam pequenas luzes e ouviam o barulho dos sapos… Ninguém fazia barulho…ninguém pisava mais suavemente as folhas do que eles. Entre um passo e outro, uma folha a partir-se esmagada pelos pés que eram de chumbo e tentavam ser penas. O que iam fazer? Que intento os levava a sítio tão ermo, perto de um aquário e de um lago onde os nenúfares escondiam os sapos que por sua vez faziam os barulhos. Nas mãos, uma lanterna de pilhas e uma gaiola.

Continuavam a caminhar, pé ante pé… medo ante medo. No meio de todos os barulhos que, confundidos entre si no meio do silêncio, tornavam-se muitos. E havia ainda o palpitar dos coraçõezinhos que batendo cada vez mais fortes, dentro do peito dos homens grandes, faziam mais barulho do que cá fora.

O ponto final de encontro é próximo. O ponto final do encontro está marcado e não pode ser desviado. No meio do medo, das lanternas e dos gorros e dos olhos alumiados, não se sabe muito bem se pelo medo, se pelo reflexo da lua cheia… caminhavam… A par, quatro e quatro. As mulheres e os homens que atravessavam o lago, pisavam a relva e as folhas e os barulhos que queriam ouvir, nem soavam.

Era quase meia-noite. O momento aproximava-se. Tinham ouvido dizer que os grilos não saiam da toca, nem cantavam antes da meia-noite. A noite já era larga, como largas eram as tranças da mulher que as escondia com o gorro. Tinham feito gaiolas pequeninas, e iam, na sua intenção, capturar os grilos no meio da relva, no meio do lago, perto do castelo, no jardim sem fim. A mulher olhava para os dois homens ao seu lado e, nos seus olhos, toda a parte branca se tornava maior. Onde estavam os grilos que cantariam às suas donzelas? Onde estavam esses insetos que se escondiam no meio do verde e do castanho? Todos queriam ouvir o seu cantar. Todos queriam sentir a canção do bandido para a sua amada. Apanhá-lo, deixá-lo numa gaiola para que cantasse à sua amada. Não cantaria certamente, infeliz na prisão. Onde era a toca? Onde se escondia? Deveria começar a cantar e, até agora, nada. A meia-noite já passava e o barulho dos grilos não se fazia ouvir. O desespero nos olhos dos caçadores, os corações a bater mais forte e o mistério a adensar-se. Nem um grilo cantava. Nas tocas que ninguém via, porém, espreitavam e riam… Não cantavam mas riam silenciosamente. E os desesperados ainda desesperavam mais por braços vazios. Os olhos esvaziavam-se e o desânimo instalava-se.

Passavam minutos e minutos e às duas horas regressariam. A noite era alta, os grilos em baixo, nas tocas, à porta, espreitando, riam-se silenciosamente da sua vitória e, nos tempos correntes, nos tempos de medo e de convulsão, estes grilos não saem da toca ao contrário dos outros e deixa que o medo continue nos olhos dos que caçam.  

 

 

Imagem de faroleco.blogspot.pt