24 Março 2018      14:41

Está aqui

O mar

Olho o mar e vejo nele as lágrimas que deito, quando me sento no beiral, quando acabo as palavras e lanço um suspiro ao ar que me rodeia. Olho o mar e vejo nele a minha alma. Vejo no azul sereno os dias que me correm bem e no mar revolto a angústia e a fúria interior. Não tenho os olhos azuis, por isso não se refletem neles as cores das águas do oceano.

Há mares tão diferentes quanto os dias que passam, uns a correr e outros mais calmos. Conheço mares nos quatro cantos (que não existem) do mundo. Já nadei nas águas do Atlântico, um mar que poderia refletir-se nos meus olhos porque foi ele que viram pela primeira vez. A areia que nos separava e ajudava, simultaneamente a aproximar fez de nós um nó de ligação. Os bonecos construídos, que seriam levados e guardados pelas águas do mar, quando se queria aproximar de mim. Tão salgadas são as suas águas que nos dão gosto ao alimento e se confundem com as lágrimas por nós choradas, como já dizia o poeta, há muitos anos. Já nessa altura havia um mar que contava histórias. Já nesses dias havia um mar que aproximava e afastava tantos e tanto.

Antes desse mar, já havia outro mar que era o medo. Antes do medo já estava, no horizonte a imensidão do mar contente e descontente. Em poucas letras se pode nomear e descrever a imensidão do desconhecido, o que nos desperta a curiosidade, aquele que nos dá tanto alimento. E nele, no mar intenso, as águas frias e geladas a que me habituei nos primeiros anos em que nos conhecemos. O ponto de partida, o atlântico, o mar que se chamou oceano e do qual tantos partiram sem saber o destino. Uns chegariam, outros, como canta a musa, ainda estão, em negro, as mulheres e os filhos a esperar.

O segundo oceano, o índico, no olhar de quem vê, muito mais azul e, em sítios que conheci, as águas, numa areia mais clara que nos aproximou, tão quentes como a alma e o sol nesses lugares. Viver entre o calor e o sol e o sal. Viver com o espelho desse azul quente e mais claro. Um outro mar, uma outra vida que, já adulto me ensinou sobre o segredo das distâncias e a complexidade das viagens. No fundo desse mesmo mar, a riqueza que nunca conheceremos, paralela à nossa própria riqueza que nunca conheceremos. Porém, ela existe e vive em nós, intrínseca e adormecida. Tal como as cores dos corais, as suas múltiplas faces, a vida que se exubera e se nas múltiplas faces que temos nós e que tem o mar. O oceano é vago como são as minhas palavras, as possíveis que me saem do pensamento e escrevo, em linhas de papel solto.

Entre os mares, as minhas faces, os meus gostos e desgostos, a minhas lágrimas e os meus sorrisos. Tudo misturado. O mar plano e o mar agitado. As águas são como sensações que se mutam e transformam. Nos dias em que somos gelo, os olhos no ártico que não conheço. Nos dias em que somos fogo ardente, as mais quentes águas do equador, transversal a todo o mundo e todas as gentes.

E que bom é poder ver, no olhar de quem sente, as duas vertentes e os dois mares. Num lado, o atlântico e no outro o índico. Nesse mesmo cabo Agulhas, a alma sente-se dividida. Vê num lado o calor do índico e no outro a memória e a história do atlântico. Onde se cruzam as emoções assaltam-se e tentam substituir-se. Não deixam de existir, como eu e nós não deixamos de existir, por muitas transformações que passemos. Algumas das águas do atlântico fogem para o índico, tal como outras fugirão para o atlântico. O novo, a memória e as lágrimas de um lado que tentam chegar aos que foram para o outro. É preciso ser forte e olhar para o azul sem que ele substitua o castanho dos meus olhos. Tenho neles a madeira que poderia servir para construir navios e pontes. Tenho neles a memória em madeira dos caixões que se foram enchendo ao longo dos anos. Tenho neles o castanho das madeiras das mesas e das cadeiras que enchem as casas.

O mar são as águas transparentes que, quando se juntam agarram o sal e se transformam em diferentes tons de azul. O mar é o infinito que olho e no qual vejo, navegando, as palavras que serviriam para escrever este texto. O mar vê-me e através da maresia vem buscar aos meus olhos o sal que nos aproxima e que escondo atrás da retina, nas lágrimas que teimo em não deitar.

O pacífico, esse revela-se quando sonho e, de olhos fechados, à noite, entre o sono, imagino um oceano tão vasto como ele mesmo e um viver sem tumultos.     

 

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