28 Novembro 2021      10:57

Está aqui

O gato cinzento

Há molduras à minha volta. Elas abraçam-me e é fácil de distinguir o cheiro a antigo. Há pinturas nelas de sem abrigos que berram solidão e pedidos de ajuda. Os pretos nas mesmas trazem até mim arrependimento.

Caminho até à rua com passos lentos sabendo o que me espera. São três da manhã e a lua está desenhada de forma a cintilar e refletir no preto dos meus olhos. O frio cumprimenta cada pelo no meu braço e relembro o quão quente estava há minutos. O vento brinca suavemente com os meus caracóis e sinto o meu corpo a congelar.

Esta temperatura torna-se mais tolerável quando sinto algo a passar por entre as pernas, movo o meu campo de visão para as mesmas, e um pequeno gato cinza encara-me com dois olhos amarelos gigantes. Baixo-me com o objetivo de lhe fazer uma pequena carícia, o animal parece ter gostado, portanto continuo, esboçando um sorriso na cara por ter feito um novo amigo.

Um sorriso por finalmente encontrar um conforto no nevoeiro que se formara.

De repente, o ar acaba para mim. Há uma picada forte na minha cabeça que me obriga a sentar sem pensar o porquê nem como. Os meus olhos tremem e o meu inconsciente repete-se a pensar se serão só os meus olhos, se o corpo inteiro. Culpo o frio sabendo que poderá ser um dos possíveis culpados.

Um, dois, três. A minha cabeça fica entre as minhas pernas como um puzzle e o meu coração corre tão ou mais depressa que o gato. Ele foi-se. Estou sozinha.

Três, dois, um. Aperto as minhas unhas contra a palma da mão, preciso de saber se estou viva e a dor dá-me respostas. Abro devagar os olhos e há pequenas poças de água que decoram o alcatrão. Foi assim que descobri que estava a chorar fazia minutos. Ou segundos, não sei.

Num click a minha garganta fecha, preciso de ar. Urgentemente.

Quando tudo começa a girar é quando sei que preciso de fechar os olhos de novo. Deixei de sentir o frio e só me lembrei que estavam realmente temperaturas baixas, quando o meu choro se transforma audível e saem pequenas nuvens da minha boca.

Preciso de ajuda e não está aqui ninguém. Preciso de ti, mas não falo suficientemente alto.

Preciso de ar.

Toda a cidade abana na minha cabeça, as minhas mãos suplicam por paz e eu não consigo respirar. Dou uma nova tentativa à minha visão, mas esta está turva e arrependo-me. Estou aceleradíssima e parece estar a acontecer imensa coisa à minha volta enquanto na verdade é de madrugada e atrás de mim só está um coreto sem vida.

Imploro para que os meus sentidos voltem e eles parecem não querer saber, o meu coração dói bastante e consigo levar a minha mão até ao mesmo. Sinto que estou sem respirar há minutos e não sei quanto tempo aguentarei assim.

Pela terceira vez, abro os olhos e, devagar, estes pousam no meu pulso esquerdo, lembrando-me de inspirar e expirar.

Após uma dose de confiança e de ar, algo rodeia um dos meus pés e direciono o meu olhar para lá. É o gato. Ele está aqui. Ele voltou para mim.