23 Fevereiro 2016      11:01

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O CRÉDITO A QUEM O CONCEDE

Na semana passada chegou ao fim o julgamento dos suspeitos de burla a um Banco na compra fraudulenta de casas. Ficou provado que a dona de uma imobiliária angariou um casal de indivíduos (toxicodependentes) que sem a menor capacidade financeira, apresentaram um pedido de financiamento para a aquisição de casa. Cederam os documentos de identificação e assinaram o que foi preciso. Obviamente que estas pessoas nunca pagaram uma prestação da “sua” casa e o banco foi forçado a vendê-la por um valor muito inferior para o qual havia concedido o crédito. Isto não é surpresa nenhuma, certo? Surpresa é que um banco, com pessoas altamente qualificadas e sistemas informáticos complexos, falhe redondamente na avaliação do risco da operação e se deixe enganar tão facilmente...

Este tipo de avaliação de risco era já prática comum na altura de conceder crédito aos amigos dos administradores, aos amigos dos seus amigos e aos amigos construtores. Em muitos casos, o risco deixava de existir e o terreno aumentava exponencialmente o seu valor, era como se tivessem acabado de descobrir petróleo!

Estes milhões em crédito que foram concedidos sem qualquer garantia e que, talvez seja exagero meu (ou não!), foram contraídos sem a mínima intenção de os cumprir, engrossaram os prejuízos da Banca. Prejuízos que acabaram por ser pagos por todos nós. Repete-se a já habitual injustiça de “obrigar” todos nós a pagar pelos erros de “alguns”?

E atenção que não sou contra o crédito bancário, simplesmente defendo o seu uso de forma sensata, sendo para tal necessário que as pessoas sejam informadas e responsáveis.

Sou sim contra a atitude irresponsável da Banca no que toca ao crédito. São claramente culpados de estimular o consumo de bens perfeita e absurdamente supérfluos, como a compra de habitação a pessoas em condições económicas demasiado precárias, ou de andar a “oferecer de bandeja” crédito às nossas empresas, sem mais nem menos.

Acima de tudo são culpados porque têm acesso a toda a informação e como tal estão em situação amplamente privilegiada face ao mais comum do cidadão. E mesmo com toda essa informação atuaram de forma irresponsável.

São em grande parte culpados pelas quase 615 mil famílias que em dezembro de 2015 não conseguiam fazer face aos seus compromissos financeiros. Destas, quase 150 mil deixaram de pagar aquele que normalmente é o último a deixar de ser pago, o empréstimo à habitação.

No crédito ao consumo, o incumprimento é ainda mais elevado, são cerca de 550 mil as famílias que têm prestações em atraso.

Bem sei que ninguém as obrigou a contraírem os empréstimos. Mas os bancos aproveitaram-se de quem não conseguia resistir ao apelo do consumo, de quem com ou sem restrições não podia deixar de ir de férias, de ter o último modelo de telemóvel ou LCD, não podia deixar de trocar de carro! De quem tinha o sonho de trocar o apartamento pela moradia com jardim...

Porque afinal, quem não tem o direito de sonhar? Toda a gente pode. Mas depois, na vida real é preciso fazer algumas contas.

É imperativo saber como fazer o nosso orçamento familiar resultar, como calcular a nossa taxa de esforço. E até que ponto nos podemos endividar. Há que ter certos fatores em consideração: como ficará a nossa prestação caso as taxas de juro se alterem, por exemplo. Infelizmente muitos de nós não estão familiarizados de como fazer tudo isto. Então… ensine-se! Comecem pelas crianças. Porque não juntar a educação financeira à componente educativa? Se toda a gente souber o que é um depósito à ordem, um cartão de crédito, ou um investimento em obrigações, a sua posição face aos bancos ficará mais equilibrada e ai saberemos quando dizer não ao crédito!

Perante este cenário, há que olhar com atenção para os recentes números do crédito associado ao consumo. Consumo esse que pode ser visto como um sinal de retoma da nossa economia, mas que se for excessivamente alavancado no crédito, poderá trazer algumas “surpresas”.

Segundo o Banco de Portugal, o crédito concedido para consumo aumentou 20,3% em dezembro de 2015, face ao período homólogo, para os 485,432 milhões de euros.

Os novos contratos de crédito relativos a cartões de crédito, linhas de crédito, contas correntes bancárias e facilidades de descoberto, aumentaram igualmente 20,3% em dezembro de 2015 face ao mesmo mês de 2014.

Os créditos para a compra de carro atingiram os 189 milhões de euros, um aumento de 12,7% face ao final do ano passado.

Será que aprendemos algo com os erros do passado? Bancos e consumidores? Ou...não!!! E estamos assustadoramente a voltar a cometer os mesmos erros?

Da minha parte confesso que deixei de dar crédito a quem o concede, resta-me ter esperança nas famílias.

Imagem de capa daqui.