3 Abril 2021      13:10

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O carapau e a sardinha

Esta é a semana de falarmos sobre o casal de assaltantes mais famosos da região sul de Portugal, o carapau Besugo e a sardinha Bexiga. Na próxima semana, contar-vos-ei a história da sardinha e do carapau, que são personagens completamente diferentes.

O carapau Besugo e a sardinha Bexiga nasceram em zonas diferentes. Besugo nasceu em Peniche e Bexiga em Sines. Conheceram-se num intercâmbio de escolas de peixes, quando ambos frequentavam um curso técnico-profissional de engenharia de instalações.

No encontro de cardumes, na troca de conhecimentos o professor Pargo e a professora Robalo decidiram que a tarefa final seria a elaboração de um trabalho a pares. Quis o destino que o carapau e a sardinha fossem colocados juntos a realizar o trabalho. Foi amor à primeira vista. Esta história faz-me lembrar tantos outros casais famosos do cinema, como Bonnie e Clyde. Estes, porém eram diferentes.

Besugo e Bexiga viram nos seus olhinhos de peixe, a imagem do outro, e sentiram-se eles mesmos. Era como se fosse um espelho simétrico. As escamas diferentes de um e do outro pareciam brilhar mais e com mais intensidade. As feromonas faziam isso no sistema náutico e interior do carapau e da sardinha.

Continuaram a corresponder-se e a partilhar cartas e promessas de amor entre si. O tempo foi passando e o secundário acabou. Era a altura certa de tomar uma decisão. Contar às famílias de Besugo e de Bexiga era um passo quase proibido mas necessário. Como iriam as famílias reagir? Besugo acreditava numa aceitação dos carapaus e as sardinhas também não iram colocar problemas, dizia. Bexiga era mais contida e reticente. Não acreditava à primeira vista que fosse assim tão simples.

Infelizmente para ambos, A sardinha tinha razão e o escândalo entre carapaus e sardinhas foi imenso. Como poderia ser que um carapau e uma sardinha quisessem conspurcar as espécies e criar seres mistos. Que seriam? Carapinhas? Sardapaus? Fora de questão.

Esta parte fez-me lembrar Shakespeare e Romeu e Julieta. Era quase a mesma coisa, só que estes dois, tendo sido expulsos dos correspondentes cardumes, ostracizados para o fundo do mar, fugiram e entraram por correntes de água doce do Sado e do Guadiana. Cedo se viram sem comida ou possibilidade de arranjar emprego. No Alentejo, a apanha da azeitona era o que mais dava emprego, mas ninguém contratava nenhum dos dois. No Algarve, no turismo, também ninguém quis dar emprego a um carapau e a uma sardinha. Se no Alentejo os polvos açambarcavam os trabalhos todos porque apanhavam mais azeitona ao mesmo tempo com os tentáculos, no Algarve, a Dourada, o Robalo e o Choco eram os preferidos para trabalho de restauração.

Sem nada, ostracizados mais uma vez, viram-se encurralados num beco que os levaria ao mundo do crime no Alentejo. Esta parte faz-me lembrar o filme Alentejo sem Lei. Era neste ambiente que ambos passariam a aturar. Besugo e Bexiga foram gradualmente deixando que as suas escamas ficassem desidratadas e que o rancor tomasse conta de cada uma delas. Com fome, começaram por roubar um alqueire de tremoços em Mértola, depois assaltaram uma série de alambiques em São Barnabé, cujo medronho venderam em Barrancos aos contrabandistas. Em Pias, não havia nenhuma adega que não tivesse sido alvo da fúria criminal de Besugo e Bexiga. Roubavam sobretudo vinho branco que ficava sempre bem com peixe.

Durante anos, os seus nomes eram temidos por toda a planície e serra alentejana. Durante anos, o carapau e a sardinha, com o seu Renault 4L, dizimavam colheitas e produção, especialmente de criadores de porco preto.

Assim foi muito tempo. Estes dois peixes já secos tinham deixado um rasto de terror de Odemira a Portalegre.

Estavam já velhos e queriam descansar. Nunca a guarda os tinha conseguido apanhar. Com o passar do tempo, pensavam também que a sua destreza não conseguia escapar tão facilmente e decidiram desaparecer.

O seu desaparecimento coincidiu mais ou menos com a construção da Barragem do Alqueva. À beira da água, em Mourão, um Renault abandonado, uma escama caída no chão e nunca mais se ouviu falar de Besugo e Bexiga, o carapau e a sardinha mais famosos da terra seca e da água doce.