17 Outubro 2019      18:39

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O adeus de Évora aos monges do silêncio

A Fundação Eugénio de Almeida assinala a despedida dos monges Cartuxos do Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli, em Évora, com um programa institucional que se realiza no próximo dia 26 de outubro, a partir das 17 horas no Auditório e Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida.

Às 17h00 o Padre Antão Lopez, monge cartuxo em Évora há 50 anos e Prior da Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli desde 1989, conversa com José Manuel Fernandes, Diretor do jornal Observador, evocando memórias e vivências do seu percurso monástico e da relação da Cartuxa com a Fundação e com a cidade.

Às 18h00, no Centro de Arte e Cultura, será inaugurada a exposição Saudades dos Cartuxos, com a presença de Sua Excelência Reverendíssima D. Francisco José Senra Coelho, Arcebispo de Évora e Presidente do Conselho de Administração da Fundação Eugénio de Almeida. «Há um sentimento de profunda gratidão pelo grande testemunho que os monges cartuxos nos souberam legar e sentimo-nos herdeiros desse testemunho de valorização do ser humano. Os cartuxos fizeram parte da história de Évora, e jamais se desvincularão desta cidade. Estamos gratos por estes 60 anos em que os cartuxos souberam acompanhar a cidade de Évora com a sua presença silenciosa, permanentemente orante. Ficarão para sempre no nosso coração e temos certo que levarão consigo Évora e Portugal na sua constante oração».

Saudades dos Cartuxos é uma exposição de fotografia e vídeo que recorda a presença dos monges Cartuxos no Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli desde os anos 60 até aos nossos dias, e que inclui trabalhos de fotógrafos bem conhecidos como Daniel Blaufuks, José M. Rodrigues, Paulo Catrica, ou Nacho Doce, entre outros. Será também possível acompanhar uma linha do tempo em imagens, evocando alguns momentos históricos da Cartuxa de Évora ou visitas de personalidades destacadas do panorama político e cultural nacional.

O curador, José Alberto Ferreira, explica a iniciativa: «Abandonando a Cartuxa, os monges brancos mudam de solidão, destinam-se a outros desertos que a sua oração há-de habitar. Levam consigo a saudade do espaço do convento, da cidade que os conhece e acarinha, dos crentes que lhes aquecem os domingos e da paisagem na qual fazem o seu passeio semanal. Levam consigo as imagens que a memória assimilou e as que os suportes digitais permitem. As fotos são aqui lugares de saudade, como a saudade se manifesta como lugar fotográfico, o lugar de todas as fotos da Cartuxa. E dos Cartuxos».

A história da Fundação Eugénio de Almeida está ligada, desde a sua génese 1963, ao regresso e à presença da Cartuxa em Évora, como foi vontade e obra do seu instituidor, Vasco Maria Eugénio de Almeida.  

Recorde-se que Évora acolheu, em 1587, os primeiros monges que fundaram o Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli. Quase três séculos mais tarde, os ventos da História determinaram a expulsão dos filhos de São Bruno, que só regressaram a Évora em 1960, pela mão de Vasco Maria Eugénio de Almeida. O Instituidor da Fundação e grande mecenas da cidade investiu tempo e recursos para restaurar o mosteiro e a sua comunidade de Cartuxos, devolvendo à cidade um verdadeiro tesouro artístico e, sobretudo, espiritual. Essa dedicação viria a ser perpetuada através da Fundação Eugénio de Almeida que, fiel à sua vontade expressa nos Estatutos, tem assegurado até hoje a manutenção e a preservação de Santa Maria Scala Coeli.

Foi assim possível que, durante quase 60 anos, os monges ali permanecessem em silêncio e oração. Chegaram a ser 22, em 1977, mas com a diminuição de vocações por toda a Europa, a comunidade foi-se reduzindo cada vez mais. Em 2019, os quatros monges que ainda restam – o Padre Antão Lopez, espanhol, de 85 anos, o Padre Isidoro, espanhol, de 92, o Irmão José, espanhol, de 91, e o Irmão António, o único português, de 82 - receberam a indicação do Capítulo Geral da Ordem (fundada em 1140) de que teriam que mudar-se para a Cartuxa de Montalegre, a cerca de 20 quilómetros de Barcelona. Com esta decisão, desaparecem também as ordens masculinas de clausura em Portugal.

«A extinção da Cartuxa de Évora provoca em nós a tristeza muda das perguntas sem resposta», como escreve o historiador José Mattoso num texto sobre a despedida dos Monges Cartuxos, incluído na publicação que acompanha a exposição Saudades dos Cartuxos.