10 Junho 2022      10:21

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Novos mundos ao mundo

O “Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!” de Fernando Pessoa na “Mensagem” são palvras que refletem muitas vezes um Portugal soturno, triste, que se vê inferior e subalterno, de cabeça baixa e rendido ao Fado e ao trinar lento da guitarra e do tempo.

Nós, descendentes daqueles a quem o imperador romano Júlio César se referiu dizendo que somos um povo que “que nem se governa nem se deixa governar.” não somos só isso. Nós, na Europa Ocidental, nas terras de Luso, onde Lusitanos, Celta-Iberos, Romanos, Visigodos, Suevos, Vândalos e Muçulmanos habitaram e que teve em Afonso Henriques o primeiro rei, sempre fomos povo de fazer bem e com vontade quando é necessário. Temos conseguido estar à altura, mas quase sempre só quando a altura é já um extremo, até aí, como disse Vergílio Ferreira “Frente a uma situação difícil, o Português opta pela espera de um milagre ou pela descompressão de uma anedota. O grave disto é que o milagre não vem e a anedota descomprime de tudo. Ficamos assim à mercê do azar e nem restos de razão para mexer um dedo.” Queixamo-nos muito, com fogosidade, mas depois passa “aflige-me a apatia, aflige-me a indiferença, aflige-me o egoísmo profundo em que esta sociedade vive. De vez em quando, como somos um povo de fogos de palha, ardemos muito, mas queimamos depressa.” (Saramago).

Passados quase 880 anos da fundação, o Portugal a quem Nun’Alvares mostrou o caminho da coragem, o Portugal do Infante que deu “novos mundos ao Mundo” (Camões) cumprindo um desígnio superior “mens agitat molem” pois “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. “ (Pessoa) é ainda hoje um país que se dispersas em guerras inúteis, discussões fúteis e estéreis, não resolvendo problemas estruturais que persistem desde há séculos e ignorando os fulcrais.

“(No Alentejo) anda-se quatro ou cinco léguas sem ver uma só alma e há uma enorme quantidade de terra sem cultura. (...) É preciso um dia pensar seriamente nisto.” Disse a rainha Dª Maria II. Hoje, séc. XXI, podemos ainda identificar esta bipolaridade quase crónica; um país com dois tempos, a duas velocidades, Litoral e Interior, população e despovoamento.

“Portugal é Lisboa e o resto é paisagem” é um dito popular frequentemente usado. Felizmente, da paisagem conseguiu-se fazer uso para o turismo, mas começam a faltar pessoas e, sem pessoas, não há economia, não há serviços, não há paisagem que valha. Sem pessoas morrem culturas, tradições, todo um saber-fazer e modo de estar que não se recuperará jamais. Urge uma descentralização séria; uma regionalização positivamente discriminatória e incentivos não só à deslocação de novos habitantes para o interior, mas também para os que cá ficaram.

Falta uma aposta clara, eficaz e definida na Educação, na Cultura; “Penso que o futuro vai depender do desenvolvimento cultural das populações. E em Portugal pensa-se muito pouco nisso.” (Sophia de Melo Breyner Andresen). Sobram comentadores e faltam-nos pensadores, sobram-nos faladores e faltam-nos fazedores. “O país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo.” (Agustina Bessa-Luís) e como disse Almada Negreiros, “Não tenho culpa de ter nascido em Portugal, e exijo uma pátria que me mereça.”

Façamos todos por ter e ser essa Pátria. Somos Camões, Cristiano Ronaldo, somos Paula Rego, somos Pessoa, Vilhs e Saramago; somos Amália, somos Eusébio, somos Aristides, Almada, Mourinho. Somos Agostinho da Silva e António Damásio, Eduardo Lourenço e Egas Moniz. Somos caravela, Expo 98 e Euro 2004. Somos… o pontapé do Éder! Somos Miguel Oliveira, Joaquim Agostinho, Siza, Gago Coutinho e Adelaide Cabete; Florbela, Espinoza e Fernão de Magalhães. Somos Rosa Mota e Carlos Lopes. Somos Fado, Cante, bailinho da Madeira e Pauliteiros de Miranda. Somos Tomar, Cromeleque, Terreiro do Paço e Clérigos. Somos vinho, vinho do Porto, Galo de Barcelos e elétricos de Lisboa. Somos bacalhau, pastéis de Belém e sardinhas. Somos quase 900 anos de História, de histórias, de resistência, força e coragem. Somos saudade… do futuro!

Há que progredir, “O Portugal a repescar e a tomar formulação moderna é o da federação de repúblicas municipais, comunitarista na economia, de educação pela experiência, de democracia na política, o que é diferente de partidocracia, de democrático igualitarismo na sociedade e de metafísica que mais seja pela acção do que pela palavra, com plena aceitação do vário no individual e no colectivo” (Agostinho da Silva) Há que voltar a dar o exemplo ao mundo. Temos um destino por cumprir e temos algo que os outros não têm “Portugal é o país mais universalista do mundo. Os portugueses têm esse dom; se não o tivessem, não teriam feito os Descobrimentos.” (Manoel Oliveira), no entanto, recusamo-nos diariamente, como indivíduos e como sociedade, a caminhar nessa direção universalista de construção comum de um país melhor, de uma Europa melhor, de um mundo melhor. “Quem quis, sempre pôde.” (Camões) Acordemos! “Falta cumprir-se Portugal!” “É a hora” “Valete Frates” (Pessoa) Viva Portugal!

 

Fotografia de Dom João de Orleans e Bragança da Esfera Armilar em prata para a Coroação de Dom Pedro II em vonregium. com