28 Julho 2021      10:23

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As notícias por cá

Queridos leitores,

 Hoje gostaria de falar um pouco sobre o meu país. O meu país às vezes, muitas vezes, faz-me ficar zangado, muito zangado.

Os temas dominantes das notícias de interesse nacional e que circulam nos nossos jornais diários, nos serviços noticiosos e de rádio (não sei o que passa na televisão porque não tenho e não a vejo há mais de 40 anos) são que os italianos são bons: além de terem vencido o campeonato europeu de futebol, têm sido bastante "responsáveis" no cumprimento do regulamento de isolamento devido à pandemia viral e o número de pessoas vacinadas está crescendo fortemente. O número de infeções cresce, mas o de hospitalizações não aumenta. Não é preciso ter medo. A economia mostra sinais de recuperação. O governo de coligação é liderado por um homem inteligente, influente e decidido que conduz o nosso país entre as dificuldades e as incertezas, com especial cuidado para não perder a ajuda económica que deve vir da UE. Também podemos ir de férias por um tempo, talvez não tanto tempo assim se for no exterior. Esta narração faz-nos uma canção de embalar, embala-nos e acalma-nos, orienta-nos para “o resgate da normalidade”.

Oh sim, a recuperação da normalidade.

Um vereador do norte da Itália, com a tarefa de zelar pela segurança dos cidadãos, percorre a cidade com a arma no bolso (que possui de modo legal) e com a arma carregada, cai ao chão após ser atacado na rua por um sem-abrigo marroquino, possivelmente bêbado, conhecido por ter problemas de saúde mental,desarmado. O vereador levanta-se, dispara e mata-o. Prisão domiciliária, aguardando julgamento. Solidariedade de muitos políticos de direita e uma de grande parte da opinião pública. Se as partes se invertessem, o marroquino ia para a cadeia eternamente.

Um médico, diretor de uma ala pediátrica de Roma e candidato a Presidente pelo partido de direita, admite que vai trabalhar no hospital com uma arma no bolso (que possui de modo legal) porque "nunca se sabe". Ninguém acha o comportamento anómalo e perigoso.

O relatório anual da Casa Europeia Ambrosetti (não é uma associação de esquerda): 80 distritos agrícolas italianos são geridos com o sistema "caporalato" (recrutamento ilegal e utilização de mão-de-obra agrícola sem proteção jurídica, de acidentes e de segurança social), com mais de 400.000 trabalhadores envolvidos (80% estrangeiros), pagam 25/30 euros ao dia por 12 horas de trabalho.

O Governo italiano renovou os acordos de cooperação com a Líbia: vamos pagar ainda mais dinheiro para evitar que os migrantes atravessem o Mediterrâneo, continuando a levar os náufragos de volta para a Líbia, para campos de detenção. Ao mesmo tempo, os navios de ONGs permanecem bloqueados nos portos italianos sob pretextos administrativos ou para investigações e verificações.

Numa prisão italiana, durante a epidemia de Covid, há cerca de 1 ano, um violento protesto explodiu por parte de presidiários que exigiam medidas de saúde adequadas. Alguns equipamentos foram destruídos, algumas instalações devastadas. Sem vítimas. O protesto cai depois de alguns dias. Cerca de uma semana depois, esquadrões de polícias com equipamento anti-motim (não reconhecíveis individualmente porque o rosto estava coberto pelo capacete) são enviados para espancar e punir todos os presos, sem distinção, com o consentimento da direção da prisão. Espancados por cassetetes e arrastados pelo chão.

A notícia sai depois de um ano, porque alguns jornalistas ficaram na posse das gravações de vídeo das câmaras internas da prisão. Quarenta e cinco guardas prisionais e oficiais da prisão são suspensos do serviço e enviados a julgamento. A direita expressa sempre solidariedade para com a polícia, acusada "injustamente".

A Capela Scrovegni, com frescos de Giotto, em Pádua, é declarada "Património da Humanidade" pela UNESCO. Se possível, não perca.

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Giuseppe Steffenino, natural do noroeste da Itália, está ligado a nós pela admiração que ele tem a Portugal e ao Alentejo em particular, onde, com a sua companheira, Manuela, foram salvos de um afogamento numa praia o ano passado. Aqui e ali a pandemia está a mudar a nossa maneira de viver e pensar. Esse médico com barba branca, apaixonado por lugares estrangeiros e um pouco idealista, interpreta este tempo curvo, oferecendo-nos os seus sonhos, leituras, viagens, lembranças, pensamentos, perguntas, etc.