2 Fevereiro 2022      18:25

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No rescaldo das eleições de domingo

Não sendo eu um analista político credenciado, como os muitos que pululam nos diversos canais televisivos, também me sinto no direito de emitir a minha opinião sobre as últimas eleições autárquicas. Por muito que me custe aceitar esse facto, tenho que dar a mão à palmatória e reconhecer que o Dr. António Costa é um político brilhante.

Estive no lado direito do espectro político, como sempre estive, apoiando o PSD, com a esperança de que pudesse ser alcançado um bom resultado. Houve momentos em que acreditei que seria possível, talvez motivado pelas sondagens que iam saindo e que se revelaram afinal como bastante imprecisas.

Como alentejano, fiquei feliz com a eleição da Dr. Sónia Ramos para deputada e reconheço a sua competência e dedicação à nossa região. Foi uma vitória regional muito saborosa, mas que  não se reflectiu no todo nacional, que foi decepcionante.

É fácil agora apontar culpas à estratégia social democrata, ou ao perfil do líder. Talvez tivessem sido muitos os motivos para a derrota. Cabe ao PSD encontrar agora um novo caminho, para que se possa apresentar como uma solução alternativa e válida daqui a quatro anos. Seja quem for o novo presidente do partido, terá seguramente um caminho difícil a trilhar, tendo em conta o novo cenário político que se instalou. Vai ser inevitável um período de reflexão, que permita ao PSD reforçar o seu peso na sociedade portuguesa, para alcançar novos objetivos.

Voltando ao Dr. António Costa, não há dúvidas de que conseguiu alcançar um resultado histórico, que lhe permitirá governar sem grande "turbulência" na próxima legislatura.

Poderá haver greves, manifestações e oposição firme no novo parlamento, mas, tendo em conta a maioria absoluta do PS, não farão grande “mossa” ao futuro primeiro-ministro, que governará de acordo com a suas próprias convicções políticas, sem grandes interferências, apesar da desejável vigilância do Presidente da República.

Podemos concluir que a constituição da “geringonça” resultou de uma estratégia que o próprio António Costa concebeu, dando algumas “colheres de chá” ao Bloco de Esquerda e à CDU, convidando-os, aparentemente e sempre de forma controlada, a tomarem parte em algumas das políticas que vieram a ser implementadas ao longo dos últimos seis anos.

Estes dois partidos, de forma um tanto ou quanto errática, umas vezes diziam ter o pé dentro das decisões da esfera governativa rosa, chamando orgulhosamente para si a formulação de algumas das propostas que foram implementadas pelo PS, mas noutros casos, quando o vento não era de favor, rapidamente se colocavam fora desse papel e saltavam para fora do barco, criticando o “timoneiro”.

Durante a campanha que antecedeu as últimas eleições, alegando que o PS não cumpria o prometido, esqueceram-se de todos os orçamentos que aprovaram ou em relação aos quais se abstiveram nos últimos seis anos. Portanto, se havia crise, ela também tinha sido criada por aqueles que contra ela agora se revoltavam.

Ambos os partidos (BE e CDU), não calcularam bem os riscos que corriam, dizendo nuns dias que não e noutros que sim.

Essa posição, um tanto ou quanto ambígua, foi devidamente aproveitada por Costa, que encostou os seus “parceiros de conveniência” à parede, aquando da não aprovação do último orçamento, abrindo a porta para as eleições antecipadas.

Com mais ou menos negociações, mais ou menos abertura, o PS foi cozinhando em “lume brando” os parceiros da geringonça, dando uma no cravo, outra na ferradura, até que lhes apontou o dedo, quando os acusou de não aceitarem o orçamento que lhes fora apresentado, responsabilizando-os pela crise política que se instalou, no meio de uma pandemia que muitos custos trouxe aos portugueses.

E essa acusação foi “meio caminho andado” para a maioria socialista que foi alcançada. Costa usou em certa medida os seus parceiros à esquerda, cedendo aqui e ali, aproveitando o tempo certo para os descartar, de modo a que pudesse vir a governar sem ter que dar ouvidos à “geringonça”. E este foi um risco calculado. Desconfio que Costa sempre soube que esse objetivo da maioria absoluta era alcançável, acenando ao eleitorado com o fantasma de um possível governo de direita liderado pelo PSD e responsabilizando BE e CDU pela instabilidade.

Sacudindo a “água do capote”, António Costa sabia que se passasse o peso da responsabilidade da crise política para os seus antigos parceiros, a possibilidade de uma maioria deixava de ser uma miragem. Isto porque à direita, novos fenómenos políticos iam crescendo e iriam roubar sempre votos ao Dr. Rui Rio, fragilizando o PSD. A fragmentação da direita foi outro dos factores que beneficiou claramente o PS.

Ao longo dos últimos anos, os parceiros da esquerda foram no "engodo" desta aliança com os socialistas, pensando que tinham efetivamente algum peso nas decisões e foram “comidos de cebolada”, como se diz na gíria. António Costa soube, com mestria, ir encantando Jerónimo e Catarina com doces palavras, mas com os objetivos bem definidos e apurados à medida que o tempo foi passando.

Parte da direita perdeu, claramente, com destaque para o PSD e para o CDS (este último, com um rude golpe na sua própria existência), mas permitiu a ascensão do CHEGA e da IL, que chegam ao parlamento com uma nova motivação. O crescimento destes partidos também foi uma aspiração dos socialistas, para que o PSD perdesse votos.

Mas a esquerda “mais à esquerda” também teve uma pesada derrota, que não pode ser negligenciada. E essa esquerda foi vítima da sua própria conduta, quando fez festas ao PS, qual lobo feroz adormecido, que na primeira oportunidade, lhes deu uma valente “dentada”,  bastante dolorosa por sinal, reduzindo bastante as suas aspirações políticas e provocando instabilidade e dúvidas nas respectivas lideranças.

Começa agora um novo tempo, em que quem não está no poder se terá que reconfigurar, para se assumir como alternativa. Tenho esperança que o PSD reencontre o seu caminho, com uma liderança que seja capaz de mostrar que há alternativas à governação socialista, sabendo que os próximos anos serão de grande exigência para quem está do outro lado da barricada, face ao governo que vier a tomar posse.