5 Agosto 2018      15:33

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NO

Filme “NO” (2012)

Foram Farpas, onde se disse sobre SI, NO e, ainda, milagres que nunca o foram.

Esclareça-se: o milagre é económico, e refere-se ao Chile nos tempos de Pinochet, que insuportavelmente haveria de morrer de velho.

Resposta exige-se.

Porquê?

Porque a certa altura, sim, se falou de um milagre económico, e a partir daí um arrepio, porque se tentou justificar o injustificável, pois as mortes foram mortes, neste caso aos milhares e provocadas quase sempre por balas, porque dois outros filmes também deram sinal nos últimos tempos (The Act of Killing (2012), de Joshua Oppenheimer e Nostalgia da Luz (2010), de Patricio Guzman) e retumbam como sirenes depois de um incêndio, porque uma opinião deve respeitar-se a si própria, porque dois mais dois podem não ser quatro mas também não podem ser o que mais convém, porque (e finalmente chegou o moralista, o que tem sempre o seu quê de imperdoável) tempos como estes não permitem que se confunda levantar a cabeça com coragem, sobretudo quando se atira e logo se foge para trás da trincheira, onde estão muitos dos nossos.

Que se recorde:

Certo dia, M (nome indizível), enquanto atravessava uma rua estreita, não muito longe e não muito perto do centro de Santiago do Chile, foi mandado parar por três homens, homens firmes e quase absolutos de negro, bigode incluído, salvo as camisas, obviamente de um branco imaculado. Seis dias depois, M era atirado de um helicóptero estabilizado no ar, levemente inclinado, semelhante ao voo de uma libelinha, para o Oceano Pacífico. Caso a sorte o tenha protegido – jogo de palavras aceitável, perante o estertor –, as duas balas que lhe foram dirigidas segundos antes já o tinham morto quando tombou na massa de água, splash impossível de se ouvir pelo barulho do insecto mecânico. Muitos em muitos helicópteros não tiveram essa sorte, a de levar o tiro mais desejado.

E quem morreu?

No caso de M, o bom M (há tanto tempo morto, o que podia ter de mau), tal como o supracitado oceano, de pacífico M teria tudo menos a fama e o proveito, era belicoso, recusava-se a baixar a cabeça. Já em pequeno tinha a estranha mania de falar sobre o que lhe apetecesse, de fazer de acordo com a sua vontade, os seus princípios ainda que sobre o fundo de contornos míticos de uma criança (magia e razão como um corpo único, é impossível não reconhecer o género). No fundo, resumindo e ordenando segundo o que nos interessa, era contra Pinochet tal como a certo ponto encolhera os ombros perante Allende; tinha-o apoiado, que fique claro, participara e, como tantos outros, desiludira-se, mas, ponto assente: era anti-Pinochet!

Milícias nas ruas? Recolher obrigatório? Silêncio coercivo? Bardamerda senhores libertadores! (Onde é que já ouvimos falar assim?) Tão filho da puta é um qualquer fidelzinho de trazer por casa como um generalíssimo cheio de botões e medalhas douradas, aliás metam ambos as medalhinhas no tal sítio! E ria, o tolo; pelo menos um recusava medalhas.

Foi morto, já o sabemos, e com ele outros 32.000 – por extenso: trinta e dois mil.

Não fica por aqui, a muitos desses levaram as ossadas para os imensos desertos do sul, onde só muito dificilmente seriam encontradas; e tinham razão, a maior parte ainda não o foi. Mães, gigantesco plural, continuam a cavar com as próprias mãos e, adivinhe a senhora que falou de milagres, nada, nada de nada, filhos dissipados, nem sequer ossos…

E aqui chegados, a si me dirijo: diz a senhora sobre um milagre económico, melhor, diz a senhora cristã sobre um milagre económico? É claro que diz!

 

Imagem de ultimosegundo.ig.com.br

 

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