24 Abril 2020      17:10

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Neurociência e Psicologia

A Neurociência é uma ciência de carácter interdisciplinar cujo objetivo é estudar o Sistema Nervoso e compreender as bases biológicas dos comportamentos. Quando a Neurociência se reúne à Psicologia, forma-se a Neuropsicologia. Esta área científica permite conhecer as relações entre o funcionamento do Sistema Nervoso, as funções cognitivas, como é o caso da nossa memória, e o comportamento.

Desde a antiguidade que surgiu a necessidade de se conhecer melhor a natureza das sensações, da consciência, da atenção, entre outras funções, e muitas das teorias desta época tentavam localizar a alma no corpo. As descobertas paleontológicas de crânios pré-históricos, revelaram que o homem procurava intervir no cérebro. Desde as primeiras observações anatómicas, verificou-se que o cérebro era um órgão composto por cavidades (os ventrículos cerebrais), acreditando-se que nos ventrículos cerebrais circulavam fluídos que regulavam o comportamento.

O anatomista Vesalius (1514-1564) defendia que o que diferenciava os humanos dos outros animais era o volume de tecido cerebral. Thomas Willis (1621-1675) considerava que a origem dos conceitos e do movimento estaria sediada no cérebro. Franz Joseph Gall (1757-1828), com a sua teoria sobre Frenologia (figura abaixo, mapa de Frenologia), defendia que cada região do cérebro é responsável por uma função mental ou comportamento específico, atribuindo exclusivamente ao Homem, a sabedoria. Porém, a Frenologia foi recusada por vários cientistas. Pierre Flourens (1794-1867) chegou a referir que não importaria a região específica lesionada, mas a quantidade de material cerebral lesionado.

Os localizacionistas voltaram a ter maior relevo com as influências de trabalhos científicos como os de Paul Broca (1824-1880). Este cientista constatou que as pessoas com lesões cerebrais nos lóbulos frontais do hemisfério esquerdo, apresentavam uma síndrome caracterizada por grande comprometimento na produção da fala e relativa preservação da compreensão da linguagem, conhecida como a afasia de Broca.

Também o neurologista Carl Wernicke (1848-1904) descreveu pacientes que apresentavam comprometimento nas capacidades linguísticas. As lesões eram localizadas a nível temporal no hemisfério cerebral esquerdo, com dificuldades na compreensão da linguagem, perturbação conhecida como afasia de Wernicke.

Nos finais dos anos 40, Walter Hess (1881-1973) criticou a noção de centro nervoso e propôs que as diferentes atividades cerebrais dependiam de uma organização cerebral. Paul MacLean (1913- 2007) apontou ainda a existência de estruturas cerebrais responsáveis pelo processamento de funções emocionais e relacionais, o conhecido Sistema Límbico.

O localizacionismo, só veio a ser superado por uma nova definição, a dos Sistemas Funcionais de Aleksander Luria (1902-1977). Este conceito, realçou que quando executamos uma determinada tarefa, existem vários mecanismos cerebrais implicados para a sua realização. Com todos estes contributos, passou a ser possível à Neuropsicologia descrever cientificamente a atividade do sistema nervoso e a fisiopatologia das alterações observadas. Deste modo, a Neuropsicologia permite estabelecer o diagnóstico clínico, neuropsicológico e topográfico cerebral subjacente às perturbações do comportamento ou estudar a influência das aprendizagens a nível neurofuncional (Gazzaniga, 2000; Gil, 2004; Habib, 2000; Manning, 2008).

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Lídia Serra é Doutora Internacional em Neuropsicologia pela Universidade de Salamanca. 
Docente de Neurociências e Neuropsicologia do ISEIT – Instituto Piaget de Almada; Docente da UC de “Niveles Táctiles, Motricidad, Lateralidad y Escritura” e Directora de TFM do Máster en Neuropsicología y Educación da Univerisdad Internacional de la Rioja, Espanha. Membro do Centro de Investigação CLISSIS da Universidade Lusíada de Lisboa.