16 Julho 2022      12:57

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Não se pode endeusar a morte de um ditador

Recentemente tivemos a notícia da morte de José Eduardo dos Santos, ex-Presidente de Angola. O antigo governante tinha 79 anos e encontrava-se internado há algum tempo numa clínica em Barcelona.

Como é evidente, quando alguém morre, mesmo sendo um antigo ditador, devemos lamentar o sucedido. E é esse o meu sentimento, lamento a morte de José Eduardo dos Santos e que a sua alma tenha descanso.

Mas não consigo entrar naquela onda de endeusar os falecidos, tornando-os personagens muito melhores do que aquilo que foram.

José Eduardo dos Santos foi Presidente de Angola durante praticamente 38 anos. O ex-presidente deixou o poder em 2017, sob forte contestação popular, deixando para trás um legado de pobreza e corrupção.

É verdade que foi um lutador pela independência do seu País. Aos 16 anos, juntou-se ao Movimento Popular de Libertação de Angola, um dos principais grupos independentistas do país.

O presidente Agostinho Neto nomeou-o ministro das Relações Exteriores e, com apenas 37 anos, foi eleito presidente de Angola, depois da morte do antecessor.

O ´´reinado´´ de José Eduardo dos Santos foi marcado por uma guerra civil longa e sangrenta que durou praticamente três décadas e levou o país ao colapso económico.

Em 2017 deixou o cargo sob forte contestação popular e sob acusações de corrupção. Criou durante toda a sua presidência um regime cleptocrático, sendo os principais beneficiários os elementos mais próximos do seu partido e de governo, os militares e a sua família. Em contrapartida, o seu povo foi levado à miséria.

Permitiu o empobrecimento do seu povo, num dos países mais ricos de África. Deixou explorar as riquezas do seu país, sempre em proveito do seu regime.

Não é por acaso que o seu sucessor, João Lourenço, prometeu o combate à corrupção e o repatriamento do dinheiro desviado do país, associando essas práticas ao círculo próximo de Eduardo dos Santos. Os filhos do ex-presidente foram alvo de investigações: José Filomeno dos Santos foi condenado a cinco anos de prisão, Isabel dos Santos viu os seus bens arrestados e as contas bancárias congeladas e Tchizé dos Santos foi afastada do MPLA.

Perante as péssimas condições socioeconómicas em que viveu a maioria da população durante o seu regime, José Eduardo dos Santos nunca sentiu quaisquer remorsos. No entanto, as suas energias serviram para intimidar os média e desviar fundos para a sua conta pessoal e da sua família.

Na realidade, cerca de metade dos 32 milhões de angolanos continuam a viver com menos de 1,25 dólares por dia (um pouco menos de um euro). No entanto, Angola é o segundo país exportador de petróleo da África subsariana e o quinto produtor mundial de diamantes.

A famigerada moderna ´´realpolitik`` tem levado a uma gigantesca hipocrisia política e de negócios entre Portugal e Angola. Pouco interessam os regimes, se os seus governantes exploram ou não os seus povos, mas sim os negócios! Sempre os negócios os negócios à frente de quaisquer escrúpulos!

Espero que não surja e seja aprovado mais um voto de pesar a outro ditador. Endeusar ditadores é coisa que não se deve nem pode fazer. Respeito e lamento a morte de José Eduardo dos Santos, não mais do que isso.