21 Abril 2018      12:48

Está aqui

Movimento

Impressiono-me. A cada momento que avanço, no circuito dos caminhos por fazer, transformo-me em impressões, vivo cada salto como se a montanha russa em que nos apoiamos fosse um terreno seguro de betão ou alcatrão que não se move. Nessa estrada, nesse terreno contínuo, sem curvas. Imagine-se uma estrada que atravessa o deserto desta América. Nela, uma linha contínua que se descontinua tantas vezes, umas vezes a amarelo, outras um só traço, solitário que percorre quilómetros ou milhas e milhas e assim permanece até ao momento em que aparece outro traço junto a ele e se tornam dois traços contínuos, entre quilómetros e quilómetros, ou milhas, e, salvo raras vezes em que algumas curvas surgem, se mantêm assim.

Vezes há em que esses traços contínuos se tornam um só contínuo e o paralelo começa a descontinuar-se. Por vezes também, descontinua-se e passa a ser intermitente. É o movimento que se agita e que se pode chamar vida. Caminhamos, em diferentes velocidades, sempre com a ideia na meta.

Continuo a impressionar-me com o céu azul e com o movimento das nuvens. Sentado num balouço que se agita e abana, cadeira do lado vazia, olho o céu e vejo as nuvens a passar. Passam e não se importam comigo. Fosse eu ou uma formiga, seria exatamente a mesma coisa. O movimento delas não depende de mim. Os meus movimentos dependem delas. Quando chove ando menos. Quando não chove, ando a mesma quantidade de tempo e não me preocupo muito com isso. O que, naquele momento mais me preocupará são os movimentos do sítio onde me sento. Preocupo-me com o equilíbrio do movimento. Nada mais importa.

Não importam as camadas finas de gelo, nos percursos gelados do rio que protege as águas mais profundas do frio. Deixa que as de cima congelem, mas não a vida que em baixo se agita. Os movimentos da natureza são como os meus, não fosse eu parte dessa mesma natureza.

Em dias mais parados impressiono-me com a formação do Universo e como todas as peças encaixam, num puzzle deliciosamente preparado a que chamamos planeta e, quiçá, além dele muito mais que desconheço. Andamos sempre a tentar perceber. Andamos sempre a tentar superar as fronteiras de nós próprios. Movimentamo-nos, criamos movimentos. E algumas vezes superamo-nos, outras não. Em todas elas, há um momento reservado à impressão e à admiração. Sensações humanas, como os gritos que se soltam a andar numa montanha russa, como os suspiros de alívio quando se afasta o medo. Sensações emocionais só nossas quando nos vemos de novo, tanto tempo depois. Ideias tão práticas e tão platónicas que nos movem. Sensações de dores de estômago quando a paixão nos consome o olhar e faz com que o ritmo cardíaco pareça uma bateria numa banda de hard rock. E também aí há movimento. Poderá, por vezes, ser melhor orquestrado do que outras. Poderá ser uma orquestra desafinada e ainda assim apreciada pelos ouvintes.

Movimento-me, de tantas formas diferentes. Movimentos em meu redor, dos quais não participo. Não sei se o faço conscientemente ou se o meu outro eu decide não participar junto comigo. Não me compensa muito pensar nisso. Também não me compensa muito cronometrar ou pensar os meus movimentos, vezes sem conta, antes de os dar. Sei que tudo o implica. Sei que me implico nas decisões que tomo e, seja no meio de uma estrada no deserto, sedento, seja no gelo que me separa das águas ou no balouço que apenas vê as nuvens, mas das quais não cai gota de água, o movimento que faço para beber em cada fonte da minha terra, vale o meu esforço. E nele, impressiono-me com os movimentos que todos fazemos, não só eu.

 

fotografia de Brian Yen em thecoolist.com