6 Outubro 2018      11:12

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Monte Novo

O Alentejo é uma região plana e longa na sua maioria, abruptamente interrompida por algumas montanhas a meio e no fim. No fim de cima e no fim de baixo. O Alentejo é cheio de cores, conforme o tempo em que o olhamos e a maneira como o encaramos. O Alentejo tem cidades, tem vilas, tem aldeias e tem montes, tem vidas e relações, gente igual e gente diferente.

Em todo o Portugal, os montes são serras, são montanhas. No Alentejo os Cerros são montes e os Montes são Cerros e ao mesmo tempo não são serras. Baralha-se tudo, mudam-se os nomes, na região todos se entendem. É uma terra em que as pessoas chegam e partem, à velocidade em que as coisas acontecem, hoje em dia, em carros modernos, antigamente a pé, de mula ou de carroça.

As aldeias, maiores em número de casas, aparecem em zonas remotas, como cogumelos aglomerados em lugares tão diferentes. Umas no cimo do monte que é montanha, outras em vales, onde os ribeiros chegam e refrescam a pintura da cal branca nas casas.

Hoje, nestes dias, a maior dor que se pode ter neste Alentejo, os que nele nasceram, viveram ou vivem é aquela de ver os poucos que restam partirem, dia após dia, semanas a fio, meses sem conta e anos que se perdem na memória. Sempre menos, sempre a perder gente. As casas, caiadas, passam a deixar-se consumir pelas ervas daninhas, os paus de madeira e as ripas seguravam as telhas perdem a luta conta o tempo e deixam que as telhas caiam e se transformem em buracos que já não agarram a chuva. As paredes deixam de reter as memórias das famílias. As famílias morrem e desaparecem, uma após a outra.

Isto decorria, assim, entre as lágrimas de quem sofre uma perda, uma atrás da outra, em todos os lugares à exceção de um – Monte Novo. Monte que não era cerro. Acontecia algo estranho nesta localidade. Nunca visto. No Monte Novo, as pessoas não morriam, nasciam. Parece que não é verdade, mas era. Monte Novo era novo porque ninguém morria nele há anos. Cada dia, nascia uma criança nova e o cemitério da Aldeia, lugar para onde as pessoas iam quando deixam de viver nas casas brancas e passavam a descansar debaixo de uma placa de mármore. Neste monte, via-se cada vez mais gente. Ouviam-se os gritos das crianças e os risos proliferavam.      Não havia dia em que a parteira não tivesse trabalho. A pobre mulher trabalhava sete dias por semana sem dar descanso aos braços e sem receber um insulto ou outras das mulheres que ajudava, quando gritavam em trabalho de parto.

Não havia um momento em que as hortas ao lado do monte não tivessem terra revoltada e os adultos regassem as plantas que nasciam. Neste Monte, o Novo, as crianças iam à Escola que não pensava fechar e as professoras tinham de ser duas. Neste Monte, à velocidade em que nasciam, quase era aldeia. Seria muito em breve. Ninguém morria e parecia, sem exagero que, com o passar dos anos, os que envelheciam ficavam mais jovens. Todos tinham a energia que se tem aos 20 anos e se pensa que o mundo não tem limites. Todos pareciam consumir o soro da imortalidade, isso ou o jantar de grãos que consumiam abundantemente.

Pensavam muitos que seria a água da fonte. Vieram até engenheiros e outra gente de estudos analisar, mas nada. A água era perfeitamente inócua. Igual a tanta fonte de outros montes que ficavam vazios e cujas paredes deixaram de ver cal há muitos anos.

Monte Novo era um lugar especial. Ao mesmo tempo no cimo do cerro e na fertilidade do vale, estendendo-se como uma manta de retalhos, dividida entre a cinza do xisto, a cal das paredes e o vermelho acastanhado das telhas. Os vidros da janela não deixaram de ser transparentes no Monte Novo e nele via-se o horizonte.    

Monte Novo era um lugar especial no Alentejo, ao contrário de todos os outros montes. O Monte Novo era uma terra de novos e velhos, onde não se envelhecia, por muitos anos que passassem. O Monte Novo devia ser, existisse ele, além de palavras. Fica-se por aqui, pelas imagens que vos deixo e o desejo que partilho. Fica-se pela vontade, essa mesma que vive na ideia de todos ou quase todos, os alentejanos, a de um monte que renasce e cresce e não se abandona.  

 

 

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