9 Novembro 2019      12:49

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Mistério no curral da Mimosa

Estávamos no ano de 1743, mais ou menos quase a meio, no mês de maio. A localização era a pequena freguesia de Santa Susana, localizado no meio dos montes. Não ficava absurdamente longe da povoação seguinte, mas ainda eram umas boas léguas até ao povo.

Manuel Escadinhas, pessoa focada no trabalho e nas coisas da agricultura, assumia-se como o trabalholico. Na altura não era conhecido o conceito, mas Manuel era, na essência, isso mesmo e não escondia perante os vizinhos. A verdade é que não havia nada mais a fazer nas redondezas também. A taberna só seria fundada uns 60 anos depois, já Manuel Escadinhas estava debaixo dos torrões. Até aí o momento de mais ação era a data da procissão a 11 de agosto e a feira do povo, onde os vizinhos vinham de longe, nos burros e nas mulas, bestas de todo o feitio.

Nesse nefasto ano de 1743, Manuel decidiu tirar a Mimosa do curral para a levar à feira. Não sei se a ideia era vender a vaca ou se tinha outra coisa em mente. A vaca estava acompanhada no curral por um macho e duas vitelas. O boi era do vizinho e Mimosa ia lá uma vez por ano fazer o trabalho.

Mimosa saiu do curral contra a sua vontade. Não era naquela altura que fazia o passeio anual para ir ao boi fazer o trabalho. Cheirava-lhe a esturro, isto se nos colocarmos no pensamento de uma vaca. O pobre animal sofria de um distúrbio conhecido como síndrome da vaca que tem medo de sair do curral.

Tinha sido um sapateiro a diagnosticar esse distúrbio na vaca. Manuel acreditou e estava sensibilizado para o que o sapateiro lhe tinha dito. Ficaria pois no curral e só sairia para ir fazer o trabalho.

A vaca, na altura, tinha ouvido a conversa dos dois e ficara muito contente. Por isso, estranhou tanto sair do curral no dia da feira. Não havia boi. Seria possível que Manuel a fosse vender ao desbarato?

Não queria acreditar que aquele dono tão sensível, ainda que trabalhólico, a fosse vender a alguém que a obrigasse a trabalhar no campo, sem os confortos do curral onde passava os seus dias.

Não podia ser verdade.

A muito custo Manuel lá conseguiu levar a Mimosa até ao espaço da feira. Prendeu o animal a uma trave onde estavam mais vacas e bois. Aquele que lhe fazia o trabalho também lá estava e piscou-lhe o olho. Mimosa ruborizou. O boi mostrou os dentes, como que a sorrir.

O dono da vaca afastou-se e foi falar com os outros homens que estavam no mercado. Mimosa olhava com um misto de desconfiança e vontade de lhe dar um coice. Sabia que a ia vender, o sacana. Só podia ser isso. Mimosa tinha orgulho de vaca. Ser trocada era infame.

À medida que o dia ia passando e o dono ia falando com outras pessoas, o ar de Mimosa agravava-se e do nariz saiam sopros de fúria. A quem iria parar? Quem seria o seu novo dono? Ia passar a andar perdida no meio do campo a alancar com arados e perderia certamente todo o seu lustro de vaca de curral. O seu curral era o seu castelo e aquilo era um despejo não autorizado por um juiz de direito.

Mimosa tentava permanecer calma mas não conseguia. Pouco depois, chegou a hora de ir embora e o suor escorria-lhe pela testa abaixo. Nisto, vem o dono e solta-lhe a rédea e diz-lhe... vamos para casa.

Mimosa estava baralhada. O que tinha vindo ali fazer? Chegados ao curral, a sua boca de vaca ficou chocada e não conseguiu disfarçar a emoção com uma lágrima.

O curral tinha sido remodelado e tinha agora, além de uma cama cow size, um jacuzzi no canto. Afinal, o dono tinha contratado pessoas para fazer obras e dar o conforto merecido à vaca, atendendo ao seu distúrbio. Que bela surpresa!

Mimosa estava feliz. A vida voltaria ao luxo e à normalidade. Na semana seguinte foi fazer o trabalho.