7 Fevereiro 2022      16:39

Está aqui

Legislativas no Alentejo, e o seu leque de recados ao panorama político

À imagem do restante território nacional os distritos do Alentejo fizeram-se ouvir nas urnas no passado dia 30 e, se, até aqui, já tudo se disse acerca dos resultados nacionais, onde pouco mais haverá a acrescentar, relativamente ao Alentejo – que é uma região tradicionalmente desigual do território nacional no que aos resultados eleitorais diz respeito, muito devido à força que o PCP sempre teve nesta região de maneira substancialmente diferente que nas demais – há algumas ilações e leituras importantes a fazer dos resultados obtidos, pois, está a dar-se todo um movimento de placas no que às orientações do voto diz respeito que não devem ser ignoradas e que poderão trazer efeitos de dominó na política nacional no longo prazo.

Os alentejanos, nos distritos de Portalegre, Évora e Beja, assim como nos municípios alentejanos do distrito de Setúbal deram, através do voto, recados bastante claros:

1 - PS - Acreditamos de forma clara que o governo se deve desmembrar das âncoras da restante esquerda, permanecendo no centro-esquerda, em prol da estabilidade governativa, cuja ausência, é sempre desfavorável a uma região com as nossas características frágeis no que diz respeito ao dinamismo da sua economia subdesenvolvida. Porém, não vá o diabo tecê-las, temos interesse em que a oposição mude de espectro, e que seja assumida pelo centro direita.

2 - PSD - Cremos com maior convicção que o PSD se deva afirmar como a principal força de oposição em detrimento do PCP, todavia, há um longo caminho a percorrer no sentido de conquistar a confiança deste eleitorado, de modo a deixar claro que o centro direita representará a defesa do interesse da região na melhora das condições de vida dos seus cidadãos, e não, o esquecimento e o abandono em prol dos interesses de uma elite urbana. Nesse aspecto, o PSD aparenta ainda sofrer de um complexo ideológico em nutrir simpatia pelas necessidades do interior sul, do qual, aparentemente, ainda não se decidiu a sair do armário, estando com um pé dentro e um pé fora. Indecisão que gostaríamos de ver terminada.

3 - PS & PSD - Ainda acreditamos que a governação deve ser feita ao centro, assim como preferimos que a oposição se faça também ao centro, ao invés de, à esquerda. Mas, atentem a este deslocamento de volume eleitoral para uma nova oposição, ao centro direita, e um novo voto de protesto, ainda mais à direita… Acreditamos que o centro é a solução, mas, até quando, dependerá de vós dois.

4 - PCP - Está cada vez mais afastado dos nossos sentimentos mais profundos, encontra-se com as energias utópicas cada vez mais ultrapassadas, pecando no conteúdo e na forma, preso a um passado que, há muito, deixou de ser uma realidade, num impiedoso presente ultra-moderno cheio de problemas novos e demasiado complexos, aos quais, o PCP não oferece mais as respostas que procuramos para as nossas questões. Os votos que ainda vão restando, são mera, mas merecida e respeitosa, solenidade.

5 - Chega - Não nos sentimos parte do mundo privilegiado da globalização, somos a região atrasada e pobre de um país atrasado e pobre, onde todas as crises chegam primeiro e acabam em último, onde grande parte das famílias chegam ao fim do mês com contas bancárias reduzidas aos dois dígitos todos os meses, onde o elevador social não dá oportunidade à esmagadora maioria, onde a esperança de ser alguém na vida depende mais da sorte que do trabalho, onde ver um filho tornar-se advogado, médico ou engenheiro é uma miragem longínqua e vê-lo tornar-se biscateiro, servente ou praça do exército é uma realidade mais imaginável. O sentimento de abandono, esquecimento e desconsideração é cada vez mais insuportável, não sabemos se a solução passa por recorrer a um partido como este, mas se assim nos parecer, assim será.

6 - BE - Não é, não será, nem nunca foi, a nossa esquerda. Não é fácil confiar em quem se diz de esquerda mas nunca saiu da realidade que orbita entre o Lumiar e as Avenidas Novas.

7 - PAN - Quem?

8 - IL - Jovial, enérgico, galhardo e alvissareiro, mas terá de sair do Guilty by Olivier e vir almoçar a Alpalhão, Escoural e Vila de Frades para conseguir aplicar as teorias de Adam Smith e David Ricardo na nossa díspar realidade, sempre rudimentarmente auscultada por partidos urbanos.

9 - CDS - Sim, muitos de nós gostamos de touradas e de acordar às 4h da manhã para ir caçar imponentes javalis, mas, na hora de pôr a cruzinha, preferimos fazer o exercício mental de aplicar a velha equação custo vs benefício, acerca da qual o CDS mal se fez ouvir no meio de tantos chavões e soundbites ocos sobre touradas e direitos do mundo rural.

10 - Livre - Uma esquerda 3.0, civilizada, com ideias interessantes de trazer ao debate, propostas concretas, mas, que ainda não se sabe aventurar fora da utopia multicultural da freguesia de Arroios e da Avenida Almirante Reis, ao que chamamos de, resto do país. Terá de se juntar à IL quando esta sair da esplanada do Guilty em expedição ao eixo Alpalhão-Escoural-Vila de Frades.

É importante reiterar que os resultados eleitorais nos distritos e municípios do Alentejo sempre tiveram um carácter muito próprio em consequência da forte preponderância do PCP, misturada com as características sociais de uma região massacrada pelo atraso e pelo esquecimento, das quais o PCP sempre lucrou eleitoralmente. Até à actualidade.

Antes, não existia uma preocupação nacional generalizada com este fenómeno porque, este, era estanque, havia nas restantes regiões do país uma quase natural aversão ao PCP, por questões que a história explica (para usar uma expressão recentemente popular no argumentário nacional). Dadas as características da região, o PCP representava a falange dos explorados, dos descamisados e dos descontentes, que, ainda existe, porque os problemas estruturais centenários desta região, ainda existem, embora numa gravidade distinta e num contexto modernizado. O PCP não se soube adaptar ao contexto modernizado por fidelidade à sua própria ortodoxia ideológica, o que deixou a nova geração de explorados, descamisados e descontentes órfãos de representação, o PCP deixou de saber comunicar com eles. Isto fez com que, estes órfãos deixassem de votar ou votassem sem um farol político.

Desde que surgiu o Chega, todo esse eleitorado descontente foi confrontado com um novo farol de esperança – concordemos ou não com as abjecções que este partido defende – para estas pessoas, não há mais ninguém no espectro político-partidário que as faça acreditar num melhor porvir, e isso é que é dramático, pois, num país pobre e atrasado, essa falange de pessoas é considerável, e o que é mais sério ainda é que, hoje, esse problema já não é estanque. Foi estanque enquanto os fantasmas do PREC ainda faziam ressonância no sentido de voto das populações, onde determinadas regiões tinham aversão ao PCP, e os descontentes votavam noutro sentido. Hoje, para a nova geração de descontentes, que não viveu o PREC, esses fantasmas entrincheiradores já não existem, e é nesse vácuo de fronteiras e de representação, que o Chega vai buscar o seu eleitorado.

Neste momento, no Alentejo a situação encontra-se a meio da ponte, onde está a notar-se uma evidente descida de votos no PCP e um aumento no Chega, mas também, no PSD. Quer a direita radical, quer a direita moderada estão a registar subidas, o que, numa região tradicionalmente de esquerda, merece ser alvo de observação.

Deve ser levado em linha de conta que não é apenas no Alentejo que o atraso é notado pelas populações, todo o país interior e/ou rural sente que não pertence ao país das oportunidades e, neste panorama, onde os fantasmas do PREC já não definem uma divisão dos votos dos descontentes e aparece uma nova força política que os agrega a todos em simultâneo, dá a oportunidade para este partido se estabelecer e desenvolver na cena política nacional de forma alargada.

Se formos verificar os dados do Ministério da Administração Interna, analisados pela Raquel Albuquerque e pela Sofia Rosa no Expresso do passado dia 4, verificamos que, dos 47 municípios do Alentejo, em 35 deles, o Chega foi o partido que mais cresceu face às últimas legislativas, o que dá um crescimento em 74% dos municípios, com toda carga de ironia que o próprio número transporta por questões históricas.

Em conclusão, o que deve ser realçado é o evidente nivelar eleitoral entre o Alentejo e o resto do país com a paulatina extinção dos muros do PREC, o que faz com que a região deixe de ter a particularidade que tinha face ao restante território, nivelar esse que foi potenciado com a existente transferência de votos do PCP para o Chega, e uma tímida crescida do PSD que já se afirma como segunda força política no distrito de Évora e Portalegre.

O Alentejo está, a reboque do Chega, e do desaparecimento do PCP, a alinhar o seu farol eleitoral da esquerda para o centro. Resta saber se estacionará no centro, ou não.

Veremos em 4 anos.