28 Fevereiro 2022      12:55

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A Informação Não é Poesia

Por Júlio Roldão *

A cobertura jornalística, em directo, da invasão da Ucránia pela Rússia está a ser feita sem qualquer filtro –  basta sublinhar que estão a ser filmados e mostrados nas televisões cadáveres abandonados em ruas de localidades ucranianas e que estão a ser dadas como confirmadas informações recolhidas por cidadãos anónimos, auto-proclamados jornalistas por possuírem um telemóvel que filma e tem acesso à Internet.

A mediação jornalística indispensável a qualquer informação digna desse nome está a falhar em órgãos de comunicação social que deviam ser sempre exemplares nesta matéria, com particular ênfase num tempo de desinformação instalada e generalizada. Há uns anos, escrevi um poema, um haiku (três versos, sendo o primeiro de cinco sílabas tónicas, o segundo de sete e o terceiro de novo de cinco sílabas) onde revelava que, cito em texto corrido, queremos de novo que os nossos jornais nos tragam notícias da guerra. Queremos mesmo, mas com as regras da profissão.

Começo a acreditar, como cantou o poeta italiano Nanni Balestrini no “pequeno louvor do público da poesia” (traduzido para o português por Alberto Pimenta) que a “(…) A POESIA FAZ MAL”. Assim escrito, com a urgência que as maiúsculas emprestam aos textos e com uma ressalva importante – “(…) MAS POR SORTE NOSSA // NÃO HAVERÁ NUNCA NINGUÉM DISPOSTO A ACREDITAR NISSO.” Infelizmente, quase por antítese, há cada vez mais gente a acreditar na desinformação instalada, com dolo ou apenas por negligência.

A informação não é poesia mas também não pode ser uma prosa corrida, desenquadrada, nua e crua, servida em doses exageradas. Como que se fosse um ensaio clínico de um medicamento na fase da avaliação da dose fatal. Também para a informação pode haver uma dose fatal. Isso acontece quando deixa de ser um direito para passar a ser mais um adereço para a Civilização do Espectáculo que nos embala há muito. E isto justifica uma reflexão alargada, entre pares, uma discussão que possa ser levada ao público.

Para a credibilidade do jornalismo e para a sanidade do público consumidor de informação. Neste tempo de desinformação instalada e generalizada.

 

Júlio Roldão, jornalista desde 1977, nasceu no Porto em 1953, estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes e pelo Círculo de Artes Plásticas, tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

Imagem de capa retirada da Revista Sábado

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