22 Abril 2018      12:28

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Indiana Jones e o Templo Perdido

O bendito Poeta afirmou, cúmulo do atrevimento, que cada geração tem as referências que merece. Gozo à parte, os que fizeram 10 anos algures durante o ano de 1984 nunca se incomodaram com tal declaração. Sabem bem o que são e quem os fez. Quem lhes abriu as portas da percepção. Isto é, quem nos passou a perna pela primeira vez e, na sequência directa, nos mostrou o quanto éramos respeitados como indivíduos.

No Templo Perdido, ou da Perdição, melhor dizendo, vamos encontrar os piores pesadelos, mas também os outros elementos constitutivos, os que complementam o trabalho dos átomos, o contacto com as inevitáveis dores de crescimento; nossas, sim, pois sentimo-las na carne e nos ossos, mas que não são apenas nossas. Crescer é também aceitar a dor do mundo. A dor da humanidade sozinha no Universo e perdida na encruzilhada da autoconsciência.

A rejeição viral dessas dores (ainda que haja a necessidade de olhar para esses como os que aceitam ser subjugados ou como os piores de nós) é a sede de poder, sede literal – por sangue – no que respeita ao filme, e que as crianças temem como temem os monstros e os adultos já não compreendem, que atinge o paroxismo na extrema violência; ou seja, o adormecimento perante a consciência, a transferência do mínimo múltiplo comum de razão para um lugar de esquecimento.

A hipótese de salvação é, como sempre, o Pai – mas que Pai? Pai Indy!

Pai singular, spielbergiano, que deixa o filho criança conduzir um automóvel pelo meio de Xangai, que o faz saltar de um avião em cima de um…barco, que o leva pela mão para o coração das trevas, que só lhe desvia o olhar do horror quando já tudo foi mostrado, que corta as amarras de uma ponte onde ele se encontra, com os crocodilos lá em baixo a aguardar pela refeição, enfim, que para o salvar o faz passar pelos maiores perigos tendo-o antes conduzido a esses mesmos perigos.

“Se me ouvires, vais viver mais tempo!” – Ouve-se frequentemente, do filho para o Pai. Insana, até pelo peculiar contexto, porém magnífica inversão. O Pai não ouve o filho, é óbvio, mas a este é-lhe dada voz racional. Eis a verdade do mundo como a podes receber, e eis a tua voz num mundo que por enquanto te transcende. Não é tudo, dirão, mas é muito – é tanto que é quase tudo.

E pensar que durante metade do filme fomos levados a acreditar que estávamos numa espécie de circo ao ar livre.

Obrigado, Mr. Lucas. Obrigado, Mr. Spielberg.

 

Imagem de cinemarden.com.br