19 Julho 2016      12:53

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IGUAL PODIA NÃO SER = E = PODIA NÃO SER IGUAL

"O MUNDO DOS NÚMEROS"

Imaginar a Matemática sem o símbolo  =  parece-nos impossível, mas, na realidade, o símbolo  =  e muitos outros símbolos matemáticos que usamos actualmente (por exemplo, os que representam as operações de adição, subtracção, multiplicação e divisão) são bastante recentes quando comparados com a longa história da Matemática.

 

Ao longo dos séculos foram usadas diversas formas de representação da igualdade matemática. Até à adopção do símbolo = , a forma mais comum para representar a igualdade era expressando-a por palavras em diferentes idiomas, como aequales, aequantur, a forma abreviada aeq, esgale, faciunt, ghelijck, gleic ou a palavra ‘ygual’  usada pelo grande matemático português Pedro Nunes (ver figura 1).

Figura 1: Extracto da obra de Pedro Nunes

 

Apesar de até ao século XVI ser incomum o uso de símbolos matemáticos, existem alguns registos da representação da igualdade através de símbolos. A mais antiga referência conhecida de uma representação simbólica equivalente ao símbolo = , pode ser encontrada no papiro de Rhind, datado de 1650 a.C.  (ver artigo  “Matemática no tempo dos faraós”) , onde um sinal hierático aparece para indicar o resultado de um cálculo (figura 2).

Figura 2: Equação algébrica e respectiva resolução no papiro de Rhind, onde aparece o símbolo que representava o resultado de um cálculo (aqui destacado dentro do rectângulo vermelho).

 

No Manuscrito Bakhshali, manuscrito matemático da civilização Hindú, existe também uma representação simbólica do resultado de uma operação matemática: a contracção pha (de phala, cujo significado é: " igual a"). Com o mesmo propósito, o matemático árabe Al-Qalasadi (1412 - 1482), usou o caracter ﻝ do alfabeto arábico. Na obra Summa de Arithmetica Geometria, Proportioni et Proportionalita, editada em 1494, da autoria do matemático italiano Luca Pacioli, é utilizado o travessão (–) como representação da igualdade (figura 3).

Figura 3: O uso travessão (–) para representar a igualdade, seguido do resultado do cálculo, 36, na obra “Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalita”, de Luca Pacioli.

 

 

O símbolo “igual”, numa forma muito aproximada daquela que usamos hoje em dia, foi introduzido, em 1557, pelo matemático galês Robert Recorde (1510 - 1558), na obra The Whetstone of Witte. Na página dessa obra reproduzida na figura 4, Robert Recorde apresenta uma forma mais alongada do actual símbolo = , justificando a necessidade da representação simbólica da igualdade com o tempo que perdia a escrever  a expressão  “é igual a” e a escolha desse símbolo por considerar“ não existir nada que pudesse ser mais igual do que duas linhas paralelas”.

Figura 4: Página da obra The Whetstone of Witte de Robert Recorde, onde surge pela primeira vez o símbolo igual.

 

Nos 61 anos que se seguem à edição da obra The Whetstone of Witte não há qualquer registo do uso do símbolo de igualdade proposto por Recorde. Este símbolo só voltou a aparecer escrito em 1618, no “ Appendix to the logarithmes “, um apêndice, anónimo, da tradução de Edward Wright para inglês da obra de Napier “Despcriptio”.

Adoptado por diversos autores, como Thomas Harriot, em 1631, Weigel em 1693, De Lagny, em 1733 ou Swedenborg em 1716, nalguns casos com ligeiras modificações no comprimento e na inclinação das linhas, o símbolo = era extensamente utilizado na Inglaterra mas pouco popular no resto da Europa, tendo, durante muito tempo, coexistindo com outras representações simbólicas da igualdade. O maior rival do símbolo de Recorde foi o símbolo utilizado por René Descartes, introduzido em 1637 na sua obra “La Géométrie”, um símbolo parecido ao de infinito mas aberto à esquerda (ver figura 5). Esta rivalidade terminou em 1713, ano da edição póstuma da obra de Bernoulli “Ars Conjectandi” onde o símbolo proposto por Descartes apareceu pela última vez.

Figura 5: Representação simbólica da igualdade usada por Descartes.

 

A partir de finais do século XVII deu-se a disseminação da utilização do símbolo =, tendo a sua aceitação universal sido impulsionada, muito provavelmente, pela sua adopção por Isaac Newton (1642-1727) e Gottfried Leibnitz (1646–1716).

Como curiosidade refira-se que o símbolo = foi usado com outros significados. Francisco Viete, em 1591, na sua obra “In artem analyticen isagoge” usou o sinal = para representar a diferença aritmética, Descartes, em 1638, usou-o para representar  ± e Johann Caramuel (1606–1682) para separar a parte inteira da parte decimal de um número.

 

Créditos da imagem daqui.