12 Março 2016      11:02

Está aqui

A IDADE DO BRONZE

"PARALELO 39N"

Dois amigos conversavam no meio da rua como se fossem desconhecidos de longa data. O nome de um era igual ao nome do outro. Eram ambos José e não se conheciam por outro nome a não ser Zé. O Zé dizia ao Zé que tinha visto um programa na televisão sobre a Idade do Bronze e o Zé respondia, a perguntar, com ar espantado, se se referia à Idade do Bronze que era antes da Idade do Ferro e depois da Idade da Pedra. Zé respondia que sim. Tinha sido um documentário interessante, mas Zé não percebia muito do assunto. Bronze conhecia as estátuas no Terreiro do Paço, Praça da Figueira e Marquês de Pombal e tantas outras. Sabia que bronze era aquele material que, depois de passarem uns anos, ficava verde por causa da chuva e do tempo. Era bronze, sem dúvida. Mas não seria desse bronze que Zé falava. Zé falava muito sobre tudo e sobretudo sabia que falava muito. Por isso, não se importava muito que Zé se importasse com as suas longas palestras e dissertações acerca de tudo e de nada.

Sabes o que foi a Idade do Bronze? Repetia Zé a Zé. O segundo respondia ao primeiro que não sabia porque nunca tinha vivido nessa época e a televisão lá de casa também tinha canais de desporto e nunca se tinha lembrado de assinar esses canais mais dedicados à História. Zé, então, contou a história abreviada da Idade do Bronze. Sabes, chamava-se assim porque se começaram a utilizar instrumentos feitos de bronze. Foi nessa altura que se começaram a juntar cobre e estanho. Foi na altura em que as pedras que serviam de utensílios foram substituídas pelo metal.

Zé bebia o café num copo de papel e dissertava sobre a Idade do Bronze, enquanto Zé fingia ouvir atentamente, mas não ligava nenhuma àquilo que era contado pelo primeiro. Da longa conversa que ambos tinham, um monólogo no sentido único, encapotado de diálogo, Zé ouvia e filtrava, bebia um gole de cappuccino, ouvia, acenava a cabeça e filtrava. Da mensagem original guardava uns cinco por cento daquilo que era dito.  Não lhe interessava a Idade do Bronze. Essas coisas das Idades eram muito complexas, dizia ao amigo que não se calava. Às vezes, há pessoas que falam, falam e falam sem que digam algo que capte a atenção do ouvinte; pensava o segundo em relação às palavras do primeiro.

É muito importante que, quando falamos, consigamos captar a atenção do nosso interlocutor. O assunto era a Idade do Bronze e o interlocutor era o Zé, mas poderia ser um qualquer outro assunto como a retirada dos chocolates do mercado em vários países ou as polémicas do futebol e da vida. O interlocutor podia ser a Maria ou o António. O importante serão sempre as capacidades comunicativas do Zé e o motivo de interesse para o ouvinte. Eis, então, que o primeiro fala nas armas rudimentares e na caça, assunto querido ao segundo. Não por ser caçador, mas por apreciar a arte da sobrevivência nos tempos idos. Zé falava e Zé absorvia. Zé pedia para explicar mais e mais como se aquilo que saía da boca do seu amigo fosse uma corrente inesgotável de interesse e de conhecimento, tão filosófico e tão precioso. Igual àquele guardado nas Bibliotecas de Mafra, de Coimbra, de tantos sítios, tudo numa beleza adormecida, à espera de ser acordada. Com uma simples ideia, Zé despertou o interesse de Zé e o rumo da conversa mudou.

Na Idade do Bronze não havia livros nem bibliotecas. Havia caça, desenhos rupestres e a luta pela sobrevivência. Foi um passo no caminho da nossa Idade, passando tantas outras no percurso da evolução. Sem ela, sem a Idade do Bronze não teríamos estátuas no Terreiro do Paço ou em qualquer outra praça. Os bustos não seriam o que são hoje. Talvez nem existissem as pessoas que neles se retratam. Zé sabia e Zé já sabia também. A Idade do Bronze estava ali, ao lado, na conversa dos dois.

 

Imagem daqui