30 Abril 2020      18:38

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Humor? Eu até gosto

Várias são as caracterizações feitas ao conceito de humor. “É um “tubo de escape” para muitos; uma maneira distorcida de se narrar a realidade e que serve de refúgio a uma vida mal-aproveitada”. Algumas almas assim o ditam. Porventura, tal quantidade de designações resulte de um proporcional número de questões que rodeiam o conceito, tais como: será que o humor tem limites? Ou, haverá temas intocáveis pelo humor, e deste modo, a ele censuráveis?

A resposta a estas perguntas é fácil, mas incompreendida por muitos que (infelizmente) ainda não absorveram a total essência do fenómeno: não. Naturalmente que não há limites para uma piada. Não há limites para um riso. Não há tema cujo riso, cuja felicidade de um ser humano, lhe seja por tal censurável. Honestamente, para o efeito não há uma instância objetiva que “dite as regras”, e qualquer temática pode afetar qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. Pessoalmente, gosto do Sporting. Deverei, então, censurar Herman José e o seu inigualável programa Hora H, porque neste se satirizava o clube que apoio? Pensemos nisto.

Fiz questão de dissertar sobre esta temática no dia 25 de Abril, pela importância que o marco traz a este fulcral setor cultural, assim como a tantos outros, como o teatro, o cinema ou a política. Salgueiro Maia tinha uma missão naquela manhã de 1974: finalizar uma censura que proporcionaria, a todos, uma liberdade de expressão que protagoniza a sociedade democrática onde (apesar dos numerosos defeitos) vivemos hoje. Que lufada de ar fresco trouxe aquela revolução, e porquê querer deturpá-la com meros desgostos pessoais?

Foquemos, a mero título de exemplo, a recente polémica em redor de um sketch humorístico, protagonizado pelo grupo brasileiro Porta dos Fundos, onde naquele se retrata Jesus como homossexual. Toda a minha vida frequentei uma escola onde se vivia intensamente a ideologia católica. Nunca me proibiram de rir ou interpretar algo, seja de que matéria ou modo fosse e de lá sai com valores morais que hoje intensamente estimo. Mas, afinal, que liberdade é que o filme atentou? Não devemos apenas “julgar-nos a nós próprios” e não o Outro? Certamente que a maioria dos cristãos não se revê nos ataques bárbaros que se seguiram, às instalações do grupo brasileiro, mas tal decorre de uma tentativa de emudecimento incompreensível na sociedade atual.

O “beliscão” que certas pessoas sentem quando uma piada com eles não se identifica, não pode passar disto: um mero fenómeno efémero e sem repercussões futuras.

Rui Sinel de Cordes, “controverso” humorista e principal obreiro do humor negro em Portugal, uma vez afirmou que “uma boa piada serve para rir. Só isso”. Que dificuldade de compreensão abarca tal premissa? Viveríamos de maneira mais leviana, despreocupada e certamente mais feliz.

 

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Guilherme Catarino, nascido em Lisboa em 2000, estudou no Colégio de São Tomás e encontra-se no 2o ano da licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e colabora ocasionalmente com o Tribuna Alentejo.