6 Fevereiro 2022      12:21

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H. H. - O observador observado

por Giuseppe Steffenino

Harald Hauswald muda-se da periferia de Dresden para Berlim Oriental no final dos anos 70. Tem 24 anos, é apaixonado pela fotografia e fez alguns cursos de formação e ganha a vida fazendo biscates.

Percorre a cidade e os arredores, a pé, muitas vezes de bicicleta, observa, fotografa, quase sempre pessoas em seu cotidiano. As suas fotografias revelam afeto, simpatia, mesmo quando retratam situações ou figuras grotescas. O seu olhar às vezes capta momentos, personagens e expressões que, fixados no implacável preto/branco de sua tomada, expressam uma aguda ironia em relação às condições de vida impostas pelo regime. Algo que ele mesmo chamou "a alegria cinzenta" da vida cotidiana na RDA.

Encontra trabalho como fotógrafo numa fundação religiosa ecumênica para assistência aos pobres e deficientes mentais. Hauswald junta-se à Associação de Artistas Visuais (VBK) da RDA, frequentada por dissidentes.

No início da década de 1980, começam a circular as suas coleções de fotos, rapidamente publicadas, sob nome falso, por prestigiadas revistas internacionais. Ele é colocado sob estreita vigilância pela StaSi (Staat Sicherheit), a polícia política da RDA. Nunca chegou a ser preso, mas durante 12 anos cada momento do seu quotidiano é espionado, fotografado, filmado ou registado e as notas informativas, dactilografadas, são transmitidas aos dirigentes políticos.

Após a unificação da Alemanha, em 1990 funda a agência de fotografia independente Ostkreuz com outros 6 fotógrafos alemães da antiga RDA. Hauswald, 67 anos, trabalha e vive em Berlim.

Na semana passada vi a sua exposição intitulada "Cheio de vida!" (Voll Das Leben!) na Galeria C/O na Hardenbergstrasse (ao lado da estação Zoo): uma coleção retrospectiva de 250 fotos p/b do final dos anos 70 - até meados dos anos 90.

A beleza singular desta exposição é a apresentação paralela de parte da imensa documentação (fotos, vídeos, relatórios escritos em papel ou ditados em fita) sobre ele (chamado em código de "o ciclista") pela StaSi: O observador observado. Lembra-se de Ulrich Mühe como Capitão Gerd Wiesler?

A exposição encerra 21/4/2022. Se tiver oportunidade, não a deixe passar, ou tente conhecer o catálogo da exposição.

Eu estou grato: https://co-berlin.org/de/programm/ausstellungen/Harald-hauswald-reloaded, e Florian Henckel von Donnersmarck, diretor do inesquecível "A Vida dos Outros" (Das Leben der Anderen, 2006.

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Giuseppe Steffenino, natural do noroeste da Itália, está ligado a nós pela admiração que ele tem a Portugal e ao Alentejo em particular, onde, com a sua companheira, Manuela, foram salvos de um afogamento numa praia o ano passado. Aqui e ali a pandemia está a mudar a nossa maneira de viver e pensar. Esse médico com barba branca, apaixonado por lugares estrangeiros e um pouco idealista, interpreta este tempo curvo, oferecendo-nos os seus sonhos, leituras, viagens, lembranças, pensamentos, perguntas, etc.

 

Fotografia de Harald Hauswald na Pieck Strasse, em Berlim, de researchgate. net