11 Novembro 2017      13:06

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A GUERRA ACABOU HÁ 99 ANOS

Hoje, 11 do 11, celebram-se 99 anos do Dia do Armistício, efeméride que assinala formalmente o fim da Primeira Grande Guerra.

O armistício entrou oficialmente em vigor às 11 horas do 11 do mês 11 de 1918, quando num vagão-restaurante, na floresta de Compiègne, na França, o general Weygand, o maréchal Foch, os almirantes britânicos Rosslyn Wemyss e G. Hope. O ministro de Estado alemão Matthias Erzberger, o general Detlof von Winterfeldt do Exército Imperial, o conde Alfred von Oberndorff dos Negócios Estrangeiros e o comandante Ernst Vanselow da Marinha Imperial assinaram o documento que punha fim à Primeira Grande Guerra.

O armistício viria a ser ratificado, posteriormente, no Tratado de Versalhes a 28 de junho de 1919 – e que acabaria por marcar também o início das Nações Unidas - e em que o Império Alemão viria a assumir as culpas pelo conflito.

O conflito tinha-se iniciado a 28 de julho de 1914 – numa história curiosa que lhe contaremos mais à frente - e teve como palco principal a Europa. 

Envolveu grandes potencias mundiais divididas em dois grandes blocos: os Aliados – que tiveram por base a Tríplice Entente entre Reino Unido, França e o Império Russo-  e os Impérios Centrais europeus - Império Alemão, Austro-Húngaro e Itália (apesar de esta última acabar por não entrar na Guerra e de vir, mais tarde, a aliar-se no bloco oposto).

Portugal também esteve nesta guerra, tomando parte pelos Aliados, pois esta guerra teria um impacto enorme no império colonial português e na manutenção e garante na recém- criada República.

A 7 de agosto de 1914, Bernardino Machado, presidente do Ministério, submeteu ao Congresso da República, uma declaração de princípios sobre a condução da política externa portuguesa, já pressionada por alianças históricas com Inglaterra e assim Portugal entraria em Guerra em dois continente África – nas colónias Angola e Moçambique – e Europa – essencialmente na Flandres e na França.

Com um contingente de cerca de 100 mil homens, formado em três meses, estes seriam divididos em dois grupos: um que apoiaria o exército britânico e outro o francês; muitos soldados portugueses despareceram, muitos morreram; sobretudo na Batalha de La Lys – também conhecida como Quarta Batalha de Ypres ou a Batalha de Estaires – uma ofensiva das tropas alemãs na Flandres e que durou 20 dias em abril de 1918.

Aí, a segunda divisão portuguesa, comandada pelo General Gomes da Costa – que viria a ser Presidente da República - com cerca de 20 000 homens, perdeu cerca de 300 oficiais e 7 000 homens face aos 50 000 alemães.

Relatos desta guerra contam que terá sido um dos maiores bombardeamentos até já existidos e, em poucas horas, cerca de 7500 homens perderam a vida nesta batalha. 

“… Ao atravessar os campos as granadas caíam aos milhares! Alevantavam o chão todo! A terra fervia em cachão! (…) As aldeias ardiam como archotes alumiando a noite! (…) Lembrava o Inferno, a terra toda a arder!”  (Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, Vol. I, p. 225, Portugália Editora, Lisboa, 1969)

Estima-se que esta guerra tenha envolvido cerca de 70 milhões de militares, tendo perdido a vida cerca de 10 milhões de combatentes e perto de 20 milhões de mutilados, o que transformou esta guerra no sexto conflito mais mortal da História da Humanidade e que acabou por ter enormes implicações e revoluções políticas em muitos países.

Tudo começou em consequência do assassínio do arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do trono austro-húngaro, e, por incrível que possa parecer, foram meras casualidades que permitiram o assassinato do arquiduque Francisco Fernando.

Dois tiros de Gavrilo Princip, numa esquina de Sarajevo, sobre o arquiduque Francisco Fernando, resultassem na Primeira Guerra Mundial, já parece, por si só, excessivo, mas ainda lhe parecerá mais quando terminarmos de lhe revelar todas as coincidências e causalidades que levaram a este assassinato.

De acordo com Tim Butcher, escritor de viagens britânico, citado Guillermo Altares em artigo do “El País”, que editou recentemente o ensaio “Princip, The trigger. Hunting the assassin who brought the world to war” (Princip, o gatilho – a caça ao assassino que trouxe a Guerra mundial), Princip era um zé-ninguém. Ainda assim, e de acordo com a maioria dos historiadores, por ter assassinado o Arquiduque Francisco Fernando, foi ele o grande responsável pela Primeira Grande Guerra e das catástrofes que se lhe seguiram no séc. XX.

Princip, sérvio da Bósnia, tinha 19 anos e era um atirador sem experiência, matou a esposa e o herdeiro do Império Austro-húngaro, do qual a Bósnia fazia parte, depois de os ter encontrado por acaso, numa esquina de Sarajevo. Exato, leu bem, nem o atirador, nem a família real era suposto estarem àquela hora, naquele local em frente à pastelaria “Moritz Schiller” (agora museu). Assim se deram dois tiros que mudaram a face do mundo.

O escritor bósnio Velibor Colic, residente na França, também citado no mesmo artigo do “El País”, disse que “ o atentado de Sarajevo foi acontecimento de consequências mundiais, uma espécie de ponto zero. (…) Foi um “complot” muito bem organizado mas também muito caótico, e o acaso teve o papel principal. (…) Foi uma “vaudeville”, uma tragicomédia, cujas consequências, infelizmente, todos conhecemos.” E em complemento, Butcher assegura que o improvável protagonista do assassinato não deixou descendência por ter morrido muito jovem. A sua ascendência era extremamente pobre, seriam servos. Seis dos seus irmãos morreram e cem anos depois, segundo Butcher, os seus familiares ainda continuam a falar de pobreza.

Diz a lenda que o assassino estava a comer uma sandes, mas, como tantas outras informações, não está confirmado, pois, com a guerra perderam-se inúmeros documentos e registos históricos. O que se sabe com certeza é que formava parte de um “complot” para matar o arquiduque, e que esse “complot” já havia falhado um atentado à bomba naquele mesmo dia e que três, dos sete jovens terroristas, se recusaram a utilizar as bombas e as pistolas que levavam. Por acaso, depois do referido, Princip e a comitiva real cruzaram-se e o assassinato foi cometido.

Contra a lógica e o bom senso, apesar de ter sofrido um atentado falhado quando a bomba atirada não acertou no carro onde seguia, Francisco Fernando decidiu continuar a visita a Sarajevo com normalidade. O atentado não fora casual e a sua interpretação era fácil: decorria a 28 de junho, celebrava-se o dia de S. Vito, o dia da nacionalidade na Sérvia, celebração levada a efeito após terem perdido a independência para os turcos, em 1389.

A também escritora de viagens Rebecca West, autora de um grande livro sobre os balcãs, ”Black Lamb and Grey Falcon” (Cordeiro negro e falcão cinzento), nos anos 30 afirmou que, e após entrevistar algumas testemunhas do assassinato, ninguém teria tido tanto culpa nos acontecimentos como o próprio arquiduque.

Após a receção na Câmara Municipal, o governador da Bósnia, Oskar Potiorek, convenceu o arquiduque a encurtar e alterar o itinerário, evitando o centro de Sarajevo, mas esqueceram-se de avisar o motorista. Ao aperceberem-se, já a meio caminho, tiveram que empurrar o carro à mão, pois não tinha marcha atrás. Essa paragem aconteceu em frente à pastelaria Moritz Schiller, mas podia ter acontecido em qualquer outro ponto do itinerário. Era precisamente ali que estava Princip que, enquanto comia uma sandes, viu surgir uma oportunidade clara para concretizar a missão que lhe dera uma organização nacionalista e misteriosa de Belgrado, a “Mão-Negra”, estando ainda por aferir o grau de participação do governo sérvio nesta organização. A princesa morreu de imediato e o arquiduque meia hora depois, às 11 da manhã de há cem anos. Trinta e sete dias depois começava a 1ª Guerra Mundial.

O historiador Christopher Clark, autor de “The Sleepwalkers” (Sonâmbulos), um dos mais influentes e conceituados ensaios publicados neste ano de centenário, insiste nas aparências casuais do assassinato e, face à transformação mundial que dali surgiu (o desaparecimento de quatro impérios, a revolução russa, a reorganização das fronteiras mundiais e o nascimento do fascismo e do nazismo, a 2ª Guerra Mundial, o Holocausto etc.) levanta a questão: e se Gavrilo Princip tivesse falhado? O que se sabe é que Francisco Fernando, sendo pacifista e contra as guerras, a poderia ter evitado.

Contudo, o já citado Butcher, que passou anos a viajar pela Bósnia e investigar a figura de Princip em busca de informações, tem uma visão um pouco diferente. Na sua opinião, apesar de reconhecer e apoiar a casualidade do assassinato, acha que mesmo que Francisco Fernando não tivesse sido assassinado, a guerra teria tido lugar de igual modo. Butcher coloca o jovem bósnio Princip como o representante principal da mudança no séc. XX: a era dos jovens, a era dos que não tinham voz, e que ali a começaram a ganhar, incutidos pelo espírito do forte nacionalismo crescente que marcava a época (Irlanda, Palestina e futura Jugoslávia são alguns exemplos). Enquadrando os acontecimentos de 28 de junho de 1914 como um ato nacionalista revolucionário dos povos eslavos; enquadrando-o com as revoluções europeias de 1848, a Comuna de Paris em 1870, a revolta dos jovens turcos em 1908, entre outros, o assassinato pode ter sido casual, mas a guerra seria já inevitável naquele dia.

 

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