30 Agosto 2018      16:26

Está aqui

Globalização no Mundo Rural - Um ensaio sobre o ressentimento e oportunidade

Alentejo, terra de sol intenso em que só as copas irregulares dos sobreiros parecem fazer sombra.

Alentejo, terra envelhecida.

Alentejo, terra de casas caiadas a branco e barras coloridas.

Alentejo, terra de suicídio.

Alentejo, terra de tons de azul infinito.

Alentejo, terra da esperança prometida.

Alentejo, contradições poéticas fazem a essência da região. Um contraste entre passado e futuro, um contraste entre oportunidade e ressentimento. Um contraste entre globalização e tradição.

A globalização no mundo rural é um paradoxo em si mesmo.

O mundo rural é rural porque sempre esteve distante, de difícil acesso, situado no campo, rústico.

Com a globalização o mundo rural vê a sua natureza afetada. Tudo é de fácil acesso, homogéneo, rápido.

Com a globalização os sotaques diluem-se, a música africana ouve-se mais que o cante, os ferreiros deixaram de ferrar, as cadeiras de bunho raramente se erguem e a samarra não é mais uma necessidade e somente uma moda.

Mas a poesia do Alentejo não se perde. As casas continuam caiadas de branco, os tons de azul ainda são infinitos, as copas dos sobreiros ainda são uma agradável sombra. Há é uma nova gente, num novo tempo com uma nova ambição.

Nós, os Alentejanos, não podemos chorar pelo fim de uma ordem social, temos sim de arregaçar as mangas e prosperar neste admirável mundo novo.

Em 2018 o Alentejo não pode ser igual ao que era no Estado Novo. Como no Estado Novo o Alentejo não era igual ao que era na Idade Média. Novos tempos fazem novos costumes e a capacidade de se adaptar a eles gera o progresso. Quando o sentimento de oportunidade suplanta o ressentimento, a mudança positiva começa!

A raiva de uma franja da população que exige do governo central e das câmaras municipais a resolução de todos os problemas tem de acabar. A raiva tem de ser dirigida à ação. Ação desenfreada que gere mudança. Mudança essa que tem de começar em nós mesmos.

E há muitos exemplos práticos que ilustram esta dicotomia entre ressentimento e oportunidade. Deixo-vos alguns.

Num recente artigo do New York Times a louvar a recuperação económica do país, foram dadas como exemplo de sucesso desta nova dinâmica duas empresas, e somente duas empresas. Surpreendentemente são as duas alentejanas. Não tão menos surpreendente é que nenhum dos inovadores é Alentejano.

O primeiro destaque desta reportagem especial pelo diário nova-iorquino foi a Elaia, do grupo Sovena, pertencente ao Grupo Mello, uma empresa de azeite responsável por 14% da produção nacional. Situada em Ferreira do Alentejo, com um lagar que é um deleite arquitetónico, a Elaia aplicou tecnologias de topo mundial e procurou rentabilizar o seu investimento. Drones sobrevoam os seus campos para analisar possíveis infestações de insetos, controlam também o nível da água e verificam o ponto ótimo para a colheita. Colheita essa feita por máquina num olival super intensivo. Discussões sobre se este tipo de agricultura é o ideal abundam, mas não é esse o ponto. O ponto é, numa região de agricultores com tradições centenárias na prática agrícola, e com o olival sempre presente nessa prática, porque teve de vir o Grupo Mello, co-financiado por fundos europeus, aplicar tecnologias revolucionárias e aumentar drasticamente a produção e o rendimento? Não seria nenhum empresário agrícola alentejano capaz de ver esta oportunidade e ousar arriscar?

Será que o ressentimento constante impede esta ousadia no agarrar de oportunidades?

O segundo destaque foi a empresa Mecacrhome, uma empresa aeronáutica francesa que apostou as suas fichas em Évora. Através de apoio governamental e fundos europeus decidiu instalar uma fábrica de componentes aeronáutica nesta histórica cidade alentejana. Partes dos aviões que sobrevoam constantemente o mundo, são fabricados em Évora. Os Airbus, ou os Boeing tem dedo alentejano na sua composição, no entanto o capital é francês, e obviamente os rendimentos também. A pergunta que se impõe é: não existiria nenhum industrial alentejano capaz do mesmo ou mais? De aproveitar os empréstimos europeus, combinar tecnologia e sabedoria num dado mercado para contratar e gerar riqueza?

Será que o ressentimento constante impede esta ousadia no agarrar de oportunidades?

Estes dois exemplos de sucesso no Alentejo dado pela publicação americana são sintomáticos do ponto que quero concretizar, mas ele não se esgota aí.

Não são só exemplos de investimentos milionários feitos por estrangeiros. O turismo cresce no Alentejo a números impressionantes. No primeiro semestre deste ano foi a região que mais cresceu em termos percentuais. No entanto há uma grande limitação ao crescimento turístico. A procura (pelo menos na época alta) é maior que a oferta. Este exemplo que dou em seguida é pessoal, não vem sustentado por uma publicação ou qualquer estudo de excelência, mas penso que qualquer empresário da área concordaria.

Ao procurar um alojamento na área que resido, Ourique, encontrei todas as opções reservadas. Queria mostrar a beleza desta zona do Alentejo e não havia opções para que o pudesse fazer. A pergunta que fiz foi:

Será que o ressentimento constante impede esta ousadia no agarrar de oportunidades?

Se há mercado para mais oferta, porque é que ela não surge? Estaremos à espera que uma qualquer cadeia hoteleira nacional ou internacional veja este problema e corrija esta falha no mercado? Ou estarão os Alentejanos dispostos a arriscar e a rentabilizar turisticamente o território que é seu?

Termino com um último exemplo. Um caso de sucesso de um Alentejano que admiro. Volto ao Sul do Baixo Alentejo e à zona de Ourique para saudar um empresário, que com a sua arte, visão e engenho transformou um pequeno negócio num grande gerador de riqueza e emprego.

António Silva, proprietário de um pequeno café, viu há uns largos anos que a zona onde residia tinha um potencial tremendo na distribuição. Perto de Lisboa, do Algarve, Litoral Alentejano e Espanha. Em vez de se queixar que as coisas podiam ser melhores e que os produtos que lhe chegavam poderiam ser feitos de uma forma mais rápida e eficiente, resolveu ele tomar medidas. Pediu um empréstimo, teve esperança na sua ideia, concorreu a licenças de distribuição e venceu. É hoje responsável por um negócio que emprega 60 pessoas, gera riqueza na comunidade, tem uma faturação muito considerável e fê-lo com a força da sua ideia e vontade de fazer.

A pergunta que aqui faço é: Será que o empresário António Silva estava ressentido pelas mudanças que ocorriam na sua região? Ou será que o empresário António Silva viu as oportunidades da mudança que se geraram no Alentejo?

Deixo ao leitor a resposta a esta pergunta. E faço um apelo. Que a força do sonho e da oportunidade seja maior que o ressentimento. Que se exija menos dos outros e mais de nós próprios. Que não estejamos sempre à espera do Estado ou dos políticos para o futuro chegar. E que não tenhamos sempre o dedo pronto a apontar aos outros sobre os nossos problemas comuns. Porque aí a solução está em todos.

Quando a atitude generalizada é a maledicência o ressentimento vence. Quando a atitude generalizada é o sonho e o bem de uma comunidade o futuro chega.

Aceitemos a mudança, que a mudança aceitar-nos-á a nós.

 

Alentejo, terra de de sol intenso em que só as copas irregulares dos sobreiros parecem fazer sombra.

Alentejo, terra envelhecida.

Alentejo, terra de casas caiadas a branco e barras coloridas.

Alentejo, terra de suicídio.

Alentejo, terra de tons de azul infinito.

Alentejo, terra da esperança prometida.

 

Siga o Tribuna Alentejo no  e no Junte-se ao Fórum Tribuna Alentejo e saiba tudo em primeira mão