3 Novembro 2018      12:59

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Frango assado com batatas fritas

Venha uma dose com batatas fritas aqui para a mesa e traga desse franguinho mais pequeno, à moda da Guia. Poderá haver assim loucuras tão grandes como a de Manuel Marafado, habitante da região do algarve, para lá trasladado do Alentejo, que todos os dias comia frango assado com batatas fritas. Era uma dieta pouco saudável, diziam os outros, mas ele não queria saber. Aquilo que lhe interessava verdadeiramente era poder comer frango assado com batatas fritas até ao fim dos seus dias.

Manuel assim comia desde os seus 20 anos, todos os dias sem falhar um, comia frango, ao almoço e ao jantar. Era um homem de hábitos, habituado a comer a mesma comida todos os dias sem dela se fartar. Estava agora com 50 e poucos. Ora em casa, ora no restaurante, ora na churrasqueira, ou até naquela banca à beira da estrada, não falhava uma refeição de frango assado. Assim vivia Manuel Marafado. A mulher, muitas vezes lá fazia um pratinho mais variado de qualquer outra coisa mas já sabia que Manuel iria comer frango assado com batatas fritas. Umas vezes assava ele, outras vezes assava ela.

Um dia, infelizmente, pegou-se uma doença tão forte nos frangos que dizimou toda a espécie. Deixaram de existir galinhas, pintos, frangos e galos. Completamente eliminada da face da terra. Nem vos sei explicar como aconteceu mas foi um desastre. Falou-se disso nas notícias durante mais de um ano, até ao dia em que se deixou de falar porque as pessoas se habituaram e esqueceram-se que algum dia comeram galinhas ou que os galos cantavam ao amanhecer e acordavam as pessoas, antes de existirem os despertadores.

As pessoas que comiam frango deixaram de comer e foram-se esquecendo do sabor. Passaram a comer outras carnes, perú, faisão e codorniz. Continuaram a comer outras carnes e muitos houve que se tornaram vegetarianos. Tal como tudo na vida, toda a gente se adaptou à mudança e acomodaram-se àquilo que tinham ou que passaram a ter.

Assim foi com toda a gente, menos com o Manuel Marafado. O choque inicial foi imenso para o pobre homem que só sabia comer aquele prato. Imaginem que se tinham acabado as batatas também. Felizmente isso não aconteceu e ainda havia umas batatas que se podiam comer. Mas o choque foi tamanho, com o desaparecimento das galinhas que o pobre homem andou deprimido duas semanas. Nesses dias não comeu. Fez greve de fome, acalentando a esperança de que isso faria com que as galinhas voltassem e a palavra galinheiro continuasse a fazer sentido.

Durante essas duas semanas, Manuel acreditou. Nada aconteceu, como seria de esperar e o pobre homem voltou a comer. Passou a comer só batatas fritas. Durante seis meses só comeu batatas, para desespero da mulher e dos filhos que choravam todos os dias. Manuel, durante seis meses tentou comer apenas batatas mas não conseguiu. O sabor do frango faltava ali e não conseguia ultrapassar essa dor. Por essa altura, já quase toda a gente se esquecera do sabor e a imagem das galinhas. Um pouco à semelhança dos dinossauros, um dia alguém havia de encontrar os ossos das galinhas, pelo menos aqueles que os cães não comeram.

Manuel tentou, mas não conseguiu superar aquilo que tanta falta lhe fazia. Ao fim de seis meses, deixou de comer fosse o que fosse e ao nono mês, morreu de fome. A vida dele estava ligada ao frango assado com batatas fritas e comendo só batatas era como se lhe faltasse alguma coisa, uma parte de si. Outras comidas nunca poderiam substituir aquele frango assado com batatas fritas.

Tal como o frango, quando desapareceram aqueles que o conheceram, a ideia do Manuel Marafado deixou de existir. Até aí foi conhecido como o homem mais fiel aos frangos que alguma vez nascera.