10 Abril 2018      17:16

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Florbela Espanca - Um nome esquecido em Vila Viçosa

Florbela Espanca foi diferente. Nascida em Vila Viçosa no dia 8 de Dezembro de 1894, desde cedo a sua vida foi marcada por diversas vicissitudes, que influenciaram profundamente a sua obra literária.

Irreverente, ousada e sonhadora, abriu horizontes que contribuíram para uma mudança de mentalidades, relativamente ao papel da mulher na sociedade portuguesa. O seu legado representa um novo ciclo a nível literário, a partir de uma perspetiva feminina. Largamente valorizada no mundo lusófono, do ponto de vista académico, foi precursora de uma moderna poesia, que a tornou lendária.

Tendo em conta o seu valor poético e a forma como soube defender os seus ideais, Florbela é um nome incontornável da cultura em Portugal. Lutou, até ao fim, pela sua poesia.

Infelizmente, na sua terra natal, o seu nome tem sido sistematicamente esquecido nas últimas décadas. Em 2015, em virtude de se poderem perder memórias e objetos relacionados com Florbela Espanca, decidi avançar com uma petição pública dirigida ao município calipolense, de modo a que fossem criadas condições para a instalação de uma Casa-Museu.

O objetivo desta iniciativa teve sobretudo a ver com a necessidade de salvaguarda de uma identidade local que está em risco e que poderá ser importante, do ponto de vista cultural, social e turístico.

Para além da petição, procedi também ao levantamento de objetos integrados em coleções particulares, diretamente relacionados com Florbela Espanca e com a sua família. Esse trabalho está em desenvolvimento e poderá servir de base a um futuro programa museológico.

Uma associação local, o Grupo “Amigos de Vila Viçosa”, criada em 1935, detém também um espólio considerável, de objetos, livros e fotografias, que foram já estudados pela Universidade de Évora.

Esta coletividade, desde a sua criação, sempre lutou pela dignificação do nome de Florbela e conseguiu, depois de muita insistência, trazer os restos mortais da Poetisa, de Matosinhos para Vila Viçosa, em 1964. No edifício dos Paços do Concelho, encontram-se também alguns quadros pintados por João Maria Espanca e que são reveladores do gosto familiar pelas artes. Um deles representa a sua filha.

Para além disso, existem mais manuscritos e fotografias inéditas de Florbela em coleções privadas, que serão certamente elementos fundamentais do discurso expositivo que está a ser construído, juntamente com o acervo documental da Biblioteca Florbela Espanca, fundada na localidade em 1949 e que se encontra inativa.

Neste âmbito, uma referência importante deve ser feita em relação à Fundação da Casa de Bragança, que adquiriu dois manuscritos inéditos da poetisa, publicados em 2017 e aos Encontros Florbelianos, tertúlias culturais que tiveram um papel importante na evocação da obra da autora.

Com esta iniciativa relativa à criação da Casa-Museu, na sequência das anteriores, pretende-se perpetuar o nome da poetisa e preservar o seu legado, na terra onde nasceu, reunindo a estudando uma herança que corre o risco de se perder, definitivamente.

Uma ideia que surgiu de forma quase imediata foi a proposta para a negociação da casa onde Florbela residiu, na antiga Rua da Corredoura e que está votada ao abandono. Apenas uma singela placa em mármore informa os visitantes sobre o facto de ali ter vivido, durante algum tempo. Inexplicavelmente, em tempos recentes, junto da fachada, foram colocados pontos de recolha de lixo...

Há uns anos, o diálogo com os proprietários para aquisição do imóvel, por parte da autarquia, não terá seguido pelo caminho desejado. Mas com uma nova ronda de negociações, talvez fosse possível “chegar a bom porto”. É necessário diálogo e alguma diplomacia. Seguramente que todos ficariam a ganhar com um eventual acordo.

Como alternativa, foi igualmente criado um “plano B”.

O lugar onde Florbela nasceu já não existe. A Rua do Angerino, próxima do Castelo de Vila Viçosa, foi arrasada aquando das intervenções do Estado Novo, em 1939-40, para que fosse criada a Avenida Duques de Bragança, que faz a ligação ao Paço Ducal. Um memorial, criado pelo município em 2013, em forma de pórtico em mármore, faz alusão à data do nascimento, naquele local.

Na Rua Gomes Jardim (antiga Rua de Três), está uma outra casa que pertenceu à Família Espanca e onde João Maria Espanca residiu, até à sua morte, ocorrida em 1954. Muitos calipolenses ainda se recordam de ver aqui o patriarca sentado, na porta da rua. Foi nesta casa da família que Florbela casou, em 1913, com Alberto Moutinho. Seria uma outra alternativa à primeira opção, tendo em conta que o imóvel também não está ocupado na atualidade. Ideias não faltam!

Gostaria que as instituições locais e a comunidade se unissem em torno desta causa. Seria benéfico que Vila Viçosa desenvolvesse um projeto associado ao nome de Florbela. Existem espaços, coleções e uma memória que permanece viva. São muitos os que visitam Vila Viçosa e perguntam pela Poetisa. Está na hora dessa homenagem.